São Paulo, quarta-feira, 2 de março de 1994
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Trisha Brown é estrela do Carlton Dance

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Trisha Brown chega finalmente ao Brasil, com quase 30 anos de atraso. Ela e seu grupo de 10 bailarinos são a atração principal do Carlton Dance Festival deste ano, que se realizará em maio em São Paulo e Rio de Janeiro. Pioneira da dança pós-moderna, Trisha se revelou no início dos anos 60, junto com um grupo de coreógrafos americanos que defendia uma abordagem minimalista da arte.
Contra a trama dramática, a profusão gestual, o estrelismo e o mero virtuosismo, Trisha e nomes como Steve Paxton, Yvonne Rainer e Lucinda Childs tinham como ponto de encontro a Judson Memorial Church, em Nova York, onde formaram o Judson Dance Theatre. Com a dificuldade de se apresentar em teatros, o grupo deslocou o espaço cênico para os parques, bibliotecas e museus.
Utilizando equipamentos que permitiam aos bailarinos andar verticalmente, Trisha criou em 1970 "Man Walking Down the Side of the Building", dançado nas paredes de um prédio. Em seguida, levou público e bailarinos para o telhado de um edifício de seis andares, para apresentar "Roof Piece". Por muito tempo seu grupo dançou sem música. "Amo o silêncio e acho que a dança se sustenta por si."
Pautada pela resolução de questões físicas ou matemáticas (as famosas "acumulações"), que no entanto não descartam o impulso, a não intenção, Trisha construiu uma das obras vitais da arte contemporânea. Em entrevista à Folha, por telefone, ela também falou das transformações que vêm ocorrendo em sua obra.
"Estou abandonando o gesto poderoso e geométrico", diz, anunciando que utilizará música de Bach pela primeira vez e que incluiu elementos dramáticos em um solo recém-finalizado. "Em 1986 fiz a coreografia da ópera 'Carmem', dirigida pela cineasta Lina Wertmuller no Teatro San Carlo de Nápoles e essa experiência me abriu novos caminhos".
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Folha – Costuma-se relacionar seu nome à dança pós-moderna. O que você acha dessa definição?
Trisha Brown – Venho trabalhando duro nos últimos 20 anos e, por isso, não tenho tido tempo de me envolver com discussões filosóficas sobre o que é ou não é exatamente modernismo. Posso dizer que eu venho depois da dança moderna produzida por artistas como Martha Graham e José Limón. Mas eu não gosto de categorizar, não acho que o termo pós-moderno, que hoje é aplicado até à arquitetura das pontes, possa descrever meu trabalho.
Folha – Como você vê seu trabalho hoje, comparado à época do Judson Theatre?
Trisha – Hoje estou mais inteligente. Eu era um bebê, tinha 24 anos na época do Judson Theatre e, desde então, construí um trabalho que atravessou cinco ciclos de exploração e conclusão. Esses ciclos incluíram as "equipment pieces", as acumulações matemáticas, as estruturas moleculares estáveis, as coreografias sistemáticas, como "Set and Reset". Meu ciclo recente é uma volta ao zero, com uma linguagem voltada para estruturas muito mais simples.
Folha – Você pode explicar o que são acumulações?
Trisha – As acumulações marcaram as séries matemáticas dos anos 70. Hoje não as utilizo mais. Acumulação é um sistema em que você acrescenta gestos dentro de uma forma linear. Você faz um gesto uma vez e então volta ao ponto de partida, ao zero. Depois você faz o gesto 1, o gesto 2 e volta ao zero; faz os gestos 1, 2 e 3 e depois o 1, o 2, o 3, o 4 e o 5 e retorna ao zero e assim por diante.
Folha – Qual a importância de Merce Cunningham e John Cage para você?
Trisha – Eles me transmitiram o mistério da abstração. Compreendi o que é forma abstrata ao assistir a uma conferência de John sobre indeterminância.
Folha - Como você trabalha com as músicas e suas coreografias?
Trisha - Sempre tive um cuidado especial com a música. No começo de minha carreira, quando eu fazia as "equipment pieces", no fim dos anos 60, começo dos 70, nós caminhávamos pelas paredes dos edifícios e, obviamente, não usávamos música, porque ficaria parecendo um espectáculo de Walt Disney. Na época, eu procurava explorar os sons ambientais, os ruídos dos equipamentos que utilizávamos. Quando decidi retornar à dança como aprendemos a conhecê-la, ou seja, organizando os gestos dentro de estruturas formais, surgiu a questão: que tipo de música utilizar? Foi quando passei a usar o silêncio. Mas a não existência da música deixava o público nervoso. Então, em 1981, pedi ao Rauschenberg para realizar uma concepção musical para uma coreografia. Foi o período em que a música era criada para a dança, depois que a coreografia já estava pronta. Meu relacionamento com a música é uma longa história...
Folha – O que você está realizando no momento?
Trisha – Acabo de criar um solo, dançado por mim mesma e com colaboração de Robert Rauschenberg, que idealizou a música. Chama-se "If You Could't See Me" e é sobre os limites do que sou capaz de fazer fisicamente. A próxima coreografia de meu grupo marca meu primeiro trabalho com música de Bach.
Folha – Utilizar obra de um mestre da música clássica significa um novo ponto de partida?
Trisha – Não sei como isso vai afetar minha coreografia, meu vocabulário, minha mente...
Folha – Hoje você trocaria os palcos pelos telhados?
Trisha – Nem por um bilhão de dólares. Aquela foi uma época dura, em que tínhamos que conseguir e organizar o telhado, fazer com que o público ficasse no topo dos prédios sem cair de lá. Sem contar as surpresas da meteorologia. Não tenho mais estamina para esse tipo de performance.

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