São Paulo, quarta-feira, 2 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Palpites

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Li uma a uma as opiniões a respeito da URV, basicamente de empresários e acadêmicos, que a Folha reuniu ontem sob a rubrica "Repercussão". É fantástico.
O leitor que tiver se dado ao mesmo trabalho enloqueceu, com toda a certeza. Em um momento, ele terá acreditado que a URV é a dolarização disfarçada. No momento seguinte, será informado que não é dolarização coisa alguma. Na terceira opinião, ficará convencido de que o plano é recessivo, mas, na quarta, descobrirá que não, não é recessivo.
Um pouco adiante, descobrirá que os salários perdem, para ser informado, logo em seguida, que não, não perdem. Descobrirá igualmente que o plano é uma mera repetição do Cruzado. Ou não. É a correção dos erros cometidos pelo Cruzado.
Resumo da ópera: quem pretendeu formar opinião a partir da opinião dos outros, supostamente especialistas, danou-se irremediavelmente. Acabou obrigado a ler o noticiário, os quadros, tabelas e íntegras para tentar tirar suas próprias conclusões.
Mesmo entre os colunistas da Folha, habituais ou eventuais, as discrepâncias de opinião são formidáveis. Fica-se, enfim, sabendo que os brasileiros são, além de 150 milhões de técnicos de futebol, 150 milhões de técnicos em economia. E, também, que economia está longe de ser uma ciência exata, ao contrário do que pretendem fazer crer certos acadêmicos presunçosos.
Ainda tem gente que acha que a economia deveria ser entregue aos empresários, que eles sim sabem gerir a coisa. Ora, como há palpites absolutamente inconciliáveis entre os empresários ouvidos pela Folha, fica evidente que um dos dois palpites é errado. Há, portanto, uns 50% de chances de se entregar a economia justamente ao empresário que deu o palpite errado, o que, de resto, seria mais coerente com o retrospecto do Brasil.
O pior é que muitos deles não são palpiteiros que guardam, no fundo do peito, alguma dúvida sobre suas opiniões. Acham-se portadores da verdade revelada. Será que esse excesso de palpiteiros não é um dos problemas da economia brasileira?

Texto Anterior: Muito longe da euforia
Próximo Texto: O príncipe e a URV
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.