São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Programa de Lula não é socialista, diz Weffort

FERNANDO DE BARROS E SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Programa de Lula não é socialista, diz Weffort
O PT se afastou dos movimentos populares que lhe deram origem para se tornar um partido de mandatos e tendências internas. O diagnóstico da crise que ronda o PT é do cientista político Francisco Weffort, 56, professor da USP e membro do conselho político que elabora o programa de governo de Lula à Presidência.
Fundador do PT, ex-secretário-geral (84-87) e ex-membro da Executiva do PT (80-89), Weffort participa às 15h de hoje do ato público na PUC de São Paulo convocado por intelectuais e sindicalistas que vêem no "encastelamento" da direção do PT um risco para a eleição de Lula. Weffort diz que torce pelo sucesso do plano FHC.
Folha - Como você vê o plano econômico de FHC e o governo?
Weffort - O governo é o Fernando Henrique. Espero que o plano tenha êxito e consiga a estabilização que busca. Isso poderia ser um ponto de partida mais adequado para que o próximo governo possa implementar uma política de crescimento. As ressalvas que se possa fazer ao plano neste momento na minha opinião são secundárias. A política do quanto pior melhor não serve a ninguém.
Folha - O PT se define como um partido socialista. Um eventual governo de Lula deve apontar ou preparar o terreno para o socialismo?
Francisco Weffort - Não. O programa de governo de Lula visa democratizar e modernizar o capitalismo. Isso significa redistribuir renda, realizar finalmente a reforma agrária, corrigir os desequilíbrios da distribuição regional e realizar uma série de reformas econômicas, incluindo a reforma do Estado, que permitam a retomada do crescimento. O Brasil é tão conservador que os capitalistas não são capazes de democratizar o capitalismo.
Folha - O fato de a facção mais ortodoxa do partido ter maioria nos cargos de direção tem quais reflexos sobre o programa de governo do PT?
Weffort - Eu não sei o que significa facção ortodoxa. Ortodoxa em relação a quê?
Folha - Aos dogmas da esquerda.
Weffort - Isso não existe no PT. O atraso hoje não é da esquerda do PT, é de quem está olhando o partido. O problema é outro: o PT é um partido nacional que expressa desigualdades e heterogeneidades da sociedade brasileira. Não há como imaginar que você possa ter no Brasil um partido nacional de esquerda que não expresse um sentimento de protesto que lavra na sociedade. Às vezes esse partido tem dificuldades de entender certas exigências da política de desenvolvimento do país hoje.
Folha - Então, quais são os "pontos cegos" do partido?
Weffort - O problema maior do PT está no fato de que ele acaba dando espaço a uma parte dos corporativismos que existem no país. Às vezes você pensa que o sujeito está defendendo o monopólio estatal do petróleo porque é um radical. Na verdade ele está ligado aos interesses corporativistas da área do petróleo. O que passa por radicalismo é uma visão setorialista da política daqueles que não conseguem ver o conjunto do país.
Folha - O Lula tem hoje uma base eleitoral superior à do PT. Se ele chegar à Presidência, quem governa, ele ou o partido? O Lula corre o risco de se transformar num novo salavador da pátria, reeditando o velho messianismo conhecido da política brasileira?
Weffort - Quem governa não é nem o partido nem o Lula. É o governo de alianças que o Lula irá presidir. Mesmo admitindo que não se consiga alianças para a eleição, é claro que é preciso construir alianças para o governo. Em relação ao messianismo, acho que este risco não existe. O Lula é uma liderança carismática que vem trabalhando há anos pela construção de instituições. Isso vai contra a rota do messianismo.
Folha - A atual configuração da direção do PT é fruto do enfraquecimento dos movimentos sociais que tiveram papel central na formação do partido? A cultura petista se perdeu?
Weffort - Em parte isso se deve a uma queda da capacidade de pressão dos movimentos sociais mas, sobretudo, é uma expressão da mudança do quadro político nacional. No momento em que o PT nasce, no final do regime militar, havia uma convicção de que seria possível construir a democracia de baixo para cima. Havia uma idéia anti-Estado disseminada na sociedade. Na medida em que a ditadura agoniza, os movimentos sociais se enfraquecem enquanto vão se abrindo os canais da democracia representativa com a sua poderosíssima atração. O PT jogou para o cenário da democracia representativa os seus líderes de base. Isso tem como consequência um certo estrangulamento do sujeito que quer ser apenas militante petista, aquele que não tem pretensões políticas nem participa das lutas internas entre as tendências do partido. A direção não tem culpa disso.
Folha - O PT virou um partido de quadros?
Weffort - Tornou-se um partido de mandatos e tendências. Tem facções partidárias relativamente organizadas em seu interior. Não sou contra, mas acho que isso só não basta. Tem que ter gente que que não esteja alinhada com tendência nenhuma e que não queira disputar cargos eletivos. Está faltando no partido o militante que chamávamos antigamente de PT-PT, aquele que não pertence a tendência alguma.
Folha - A direção do PT reagiu de forma destemperada ao manifesto que convoca a militância para discutir a distância entre a cúpula e as bases do partido. Como signatário do texto, como você vê essa reação?
Weffort - Há um equívoco nisso tudo. Eu assinei esse texto no intuito de discutir como o PT pode voltar a ser um partido de massas. Não assinei críticas à direção e digo que se o ânimo fosse este eu não endossaria. Acho que isso pode prejudicar não apenas a campanha do Lula, mas os objetivos que eu quero atingir.
Folha - Quais são os limites do PT para uma aliança política na campanha presidencial?
Weffort - As chances de alianças no primeiro turno são muito restritas. Agora, as chances de uma alianças de massas no segundo turno são grandes se o PT tiver uma perspectiva aberta desde já. Em relação aos limites, acho que estão fora do arco possível de alianças os partidos clássicos do conservadorismo –PPR, PFL e, secundariamente, o PTB. Do outro lado as alianças são possíveis.
Folha - Até com Quércia?
Weffort - É difícil, mas acho que tem que ser discutido a parte. Temos que pensar não apenas nos líderes, mas também nas massas que eles representam.
Folha - Você concorda com a proibição que a direção impôs aos parlamentares do PT de participar da revisão constitucional?
Weffort - Acho que o PT se meteu numa trapalhada. O partido tinha todo o direito de ser contra a revisão, mas, uma vez aprovada, ele tinha que participar. O desgaste de não entrar na revisão é maior do que se tivesse entrado, mesmo se votasse sempre contra. Isso contribui para o isolamento de um partido que necessita abrir caminho para as alianças.

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