São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Falcão defende legitimidade da atual direção

CARLOS EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde junho do ano passado, o jornalista Rui Falcão, 50, tem em suas mãos o comando político do PT. Suplente de deputado estadual em São Paulo, atualmente exercendo o mandato, Falcão é o responsável pela guinada à esquerda da direção do PT. Ex-militante do PCB e da VAR-Palmares, o atual vice-presidente do PT foi preso político durante três anos durante o regime militar.
Falcão defende a legitimidade da atual direção petista e diz que a falta de representatividade eleitoral da atual cúpula não a desqualifica na comparação com a cúpula anterior. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Falcão à Folha.
Folha - O PT se define como um partido socialista. Um eventual governo Lula deve apontar para o socialismo e qual o conteúdo desse socialismo?
Rui Falcão - Nós definimos o governo do Lula como democrático e popular. Um governo de reformas sociais, econômicas e políticas profundas, que pretende tocar em privilégios mantidos durante muito tempo e criar condições de participação popular na definição de Orçamento, nas decisões de governo, dar um outro sentido ao papel do Estado e fortalecer a organização da sociedade brasileira. O PT é um partido socialista e vê na oportunidade de governar o país um momento de alterar valores, de conscientizar a sociedade e de democratizar a propriedade da terra.
Folha - Então, seria um governo de transição ao socialismo?
Falcão - Queremos criar condições democráticas para no futuro vivermos numa sociedade de fraternidade, justiça e igualdade. A nosso ver, essa sociedade é socialista e democrática.
Folha - A atual configuração do PT é fruto do esvaziamento do movimento social?
Falcão - A atual direção é tão plural e legítima quanto as anteriores. A maioria se constituiu captando um sentimento que percorria o partido de que havia um excesso de distanciamento entre setores de direção e a base partidária, que tinha havido indefinições da antiga direção diante do governo Itamar Franco quando ele se constituiu e um certo desgaste natural das direções que permanecem muito tempo comandando partidos.
Folha – Entre as vertentes clássicas que fundaram o PT (Igreja, movimento sindical e oriundos de movimentos de esquerda) houve uma sobreposição dessa última vertente sobre as outras. Por que isso aconteceu?
Falcão – Isso cheira mais a explicação sociológica da vida de um partido. Não há predomínio de heranças formadoras do PT na composição da atual direção. O Lula, principal responsável pela criação do PT, continua sendo a expressão da unidade partidária, e a convivência democrática entre as correntes é o que pauta o PT hoje.
Folha – Os grupos que controlam hoje o PT carecem de representatividade social e eleitoral. Por que isso ocorre?
Falcão - Eu não diria que carecem de representividade social, visto que vários companheiros da direção são ligados a movimentos. A representatividade eleitoral é dada pelo conjunto do partido. Os parlamentares da atual direção e todos os parlamentares do PT foram eleitos pelo peso da legenda, sem prejuízo de suas qualidades individuais. Os que estão atualmente na direção não tiveram a mesma votação do que os companheiros que estavam na direção anterior. Mas não creio que isso desqualifique ou qualifique os companheiros da direção anterior em relação a essa ou vice-versa.
Folha – Isso não seria um sintoma de que o PT estaria se transformando num partido de quadros e não de massas?
Falcão – Nós nunca defendemos a idéia de que o PT fosse um partido de quadros. Desde a fundação, o PT rompeu com essa tradição da esquerda brasileira. O que nós achamos é que num partido que organiza milhões de trabalhadores e o povo, isso não significa que não se formem quadros políticos, intelectuais orgânicos.
Folha – A base eleitoral de Lula é superior ao patamar histórico do PT. Se ele for eleito, o mandato será dele ou do PT?
Falcão – O mandato do presidente é um mandato popular, mas reflete o compromisso em torno de um programa de governo. É essa relação que estabelecemos para não haver dúvida. É um mandato popular, mas que se legitima também através do cumprimento de um programa de governo.
Folha – Em caso de dúvida, a decisão será de Lula ou do PT?
Falcão - Quem governa o país é o presidente da República e seus ministros, em conjunto com o Congresso. Queremos ampliar esse conceito de democracia fazendo com que a população, além de votar, possa participar do controle e das decisões do governo.
Folha – Quais os limites das alianças do PT na campanha?
Falcão – A nossa política de alianças deverá ser articulada em torno do programa de governo. Tem como prioridade alianças na sociedade e também os partidos. PCB, PC do B, PSB, PPS, PV, PMN, PSTU e considerando o PSDB como um campo em disputa. Reconhecemos que o PSDB tem um campo popular no seu eleitorado e nas suas hostes partidárias também e estamos disputando o apoio de um setor do PSDB à candidatura Lula, mesmo sabendo que o PSDB terá candidato próprio à Presidência, cavalgando um plano de estabilização, o que é da pior tradição da política brasileira.
Folha - O que o sr. pensa da viabilidade da candidatura do ministro Fernando Henrique Cardoso e do plano econômico?
Falcão - O plano econômico não toca na questão dos monopólios e do sistema financeiro. Não associa a estabilização à necessidade de desenvolvimento do país e, portanto, pode-se até caminhar para uma situação de queda da inflação com manutenção do desemprego e da miséria. Em terceiro lugar, ele atrela as decisões de política econômica do pais aos Estados Unidos ao FMI por uma dolarização envergonhada da economia brasileira. Em quarto lugar, é um programa de conteúdo eleiçoeiro, porque joga na possibilidade de uma queda parcial e temporária da inflação pretendendo com isso obter dividendos eleitorais. É um Plano Cruzado sem abono salarial.
Folha – Com a revisão constitucional sendo um fato, há sentido em ausentar-se dela?
Falcão - Não considero que a revisão seja um processo consolidado. O que se vê hoje é um verdadeiro processo de leilão. Há dissenções entre as próprias elites sobre os rumos da revisão. Temos mantido uma tática de obstrução, de tentativa de redução dos limites da revisão e encurtar seu prazo. Se o processo de revisão deslanchar, esperamos alcançar uma agenda máxima e uma mudança do regimento para que os nossos deputados possam intervir no processo.
Folha – Como o sr. analisa o manifesto de intelectuais que faz críticas à direção do partido apontando um distanciamento entre ela e a base do PT?
Falcão - É legítimo que que qualquer grupo de filiados do PT se associe e se manifeste contra ou a favor das direções. Não posso concordar, porém, com a visão sobre a direção atual do PT. Essa direção é legítima e há outros intelectuais que a respaldam.

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