São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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O preço da contradição

JANIO DE FREITAS

Os protestos da equipe econômica contra a proposta parlamentar de um gatilho salarial, disparável quando os salários tenham perda de 5% ou mais, põem sob suspeita a afirmação de que o índice da URV vai acompanhar a inflação e assim proteger os salários, mantendo-os atualizados mês a mês.
Se a URV refletirá o custo de vida, o gatilho não passa de uma precaução inócua. O ministro e seus assessores podiam dá-la como desnecessária, mas, considerando-a ameaçadora para o plano antiinflação, estão dizendo que haverá defasagem entre salários e inflação. O que só pode acontecer se a URV, ao contrário do que têm dito, não refletir a inflação do mês.
Na Comissão do Congresso que analisa a medida provisória da URV, predominam as desconfianças de que foram deixadas abertas deliberadamente, no plano, as vias para que a URV não expresse a inflação com rigor. A tolerância da equipe econômica para com os altíssimos aumentos de preços, inclusive depois de lançada a URV, soaram como um alarme na comissão. O aumento da cesta básica, em particular, já garantiu apoio às alterações que o presidente e o relator da comissão, senador Odacir Soares e deputado Gonzaga Motta, dão como certas na MP da URV: medidas duras contra os aumentos excessivos de preços, inclusão na MP do que hoje é o projeto de lei antitruste, e proteção, até com eventual tabelamento, dos preços da cesta básica.
A permissividade concedida aos preços pela equipe econômica é vista como atitude, não de técnica econômica, mas de fins eleitorais. Esta visão consolidou-se quando ficou sabido que a possível punição por aumento abusivo, mencionada na MP, foi aí introduzida a martelo pelo presidente Itamar Franco.
As convocações de empresários para conversar com a equipe econômica, sobre os aumentos absurdos dos últimos dias, são a conversa fiada autêntica. Mas não literalmente, se considerarmos que fiada quer dizer a fiado, em que não há cobrança. É a velha lengalenga, que nem ao menos cuidou de inovar nas personagens oficiais: o assessor de preços da Fazenda, Milton Dallari, e o superintendente da Sunab, Celsiu Lodder, são os mesmos de montagens antiquíssimas da mesma peça. Nem o enredo mudou: os empresários recebem o aviso de que têm cinco dias para justificar os aumentos, sob pena de sofrer as multas prevista numa tal Portaria 34, uma espécie de virgem idosa da burocracia: apesar da idade, não dá nada além de promessa. Para justificar o aumento, basta o empresário dizer que está fazendo caixa para pesquisar um chuchu sintético ou para abrir uma quitanda em Paris. Pode dizer qualquer coisa, com a condição só de que, em vez de se justificar, justifique a compreensão dos xerifes governamentais.
Pede-se à população, por isso, que colabore com a equipe e não apresente denúncias de preços assaltantes, porque isso pode tornar inevitável a constatação oficial, como aconteceu com o aumento de 100% na cesta básica do Pão de Açucar de Brasília, de casos em que a multa à empresa não possa ser dispensada.

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