São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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Na ante-sala do real

RICARDO SEMLER

Dou uma olhada marota em direção à pilha de jornais, cinzenta com cores retalhadas, pequena torre pisaesca e inclinada em direção ao semicaos permanente deste tupiniquismo. Não, não e não. Nada me convencera a comentar o episódio lingerie-picaresco. Aliás, nem carecia o ministro da Justiça estar trêbado, já que bebuns estamos nós de deixá-los estes como este nos conduzirem trilha afora à procura da justiça que, esta aliás, bebeu há bons tempos e nos deixou a ressaca em forma de varas variadas. Na conferência em Deer Valley, precisamente Vale do Veado, o coordenador indaga se não seria o chefe da nação brasilianesca que estava por agarrar a rechonchuda Fafá-look-a-like, ao que respondo, patrioticamente, que se tratava de equívoco, era o Menem, e que o Collor está em Paris, sim, mas quase já preso e, afinal, a Inglaterra acaba de aprovar a extradição de brasileiros, Ronald Biggs que se cuide.
Maluf, que aceita bem o conceito de estupro, contanto que não mate, ficou feliz que a Justiça americana afinal autorizou, repito, autorizou, a vítima a pedir que o estuprador coloque camisinha durante o ato, reiterando o infantilismo americano, que tem mulher pagando indenização de cem mil dólares por excesso de ronco, mas é a terra da livre iniciativa, não como aqui, onde os coronéis do ar pressionados pela Varig anularam promoção da Air France que dava uma passagem grátis para cada comprada, afinal, como sabemos, a Varig nunca aguentaria um mercado desregulamentado e, junto com a Rede Globo, forma a última fileira senil de semimonopólios quase-estatais que fariam gosto ao velho Stalin.
Volto enfim urvizado, ou curvizado, turvizado. Coisa simples, digna da simplicidade desta terra que vaga em procura do simplismo desde que entrou na rota dos Dilsons que, transfigurados, se apresentavam psicografados em forma de Mailsons, Bresseres e Zélias incontáveis. Ponho-me a ler o "Diário Oficial", coisa mister a cada tantos anos, planos concebidos no escuro dos gabinetes sombrios desta cidade inventada por Garcia Marquez e plantada no umbigue brasiliensis com trejeitos de Niemeyer, a quem nunca contaram que a cada forma deveria corresponder uma função, tanto que virou escultor desvairado. FH, sem o C, que desumaniza e faz querer que URV não seja urv nem urvizada nem urvizável, já que a fonética não confunde a semântica, fez bem, valem parabéns pela lisura e pela diminuição estrondosa de sacanagens que loteiam os Diários Oficiais da Sacanagem que por estas bandas gorjeiam. Procuro as pegadas, pegadinhas e pegadões, e pouquíssimas as há. Agora é só esperar lá pelo dez de abril, tira-se três zeros e um real vale um dólar, estamos conversados. Tal qual os velhinhos na Flórida, Estado conhecido pela alcunha de Ante-sala de Deus, já que vão lá os que esperam compaixonadamente a morte, exceção feita aos sacanões brasileiros que lá procuram a mediocridade e a encontram, enfaixada de cafonice oficial, fazendo de conta que brega é coisa fina, por isso toca Roberto Carlos no Municipal, problema nenhum aliás, tem tanta gente que gosta de Nelson Ned. Pronto, fiz homenagem ao Saramago com quem bati um semi-papo sem pé nem cabeça em Amsterdã, aonde nos avisaram para ficar de olho nos trombadinhas. Tá de parabéns, FH, pau na máquina, vamos cair no real, coragem. Junte-se ao Saramago, homenagens prestadas, lusitânias concedidas, estas giram enquanto o mundo roda. Desistir, jamais, pois sim?

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