São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Barafunda de informações

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

A imprensa passou sua primeira semana pós-URV sem conseguir explicar se os salários ganharam ou perderam na conversão pelo novo indexador. Os jornais também não se entenderam sobre o que aconteceu com os negócios: há quem dê manchete para a estabilidade do mercado, como fez "O Estado de S.Paulo" na edição de terça-feira, e quem aposte na paralisação preocupante da atividade econômica, como fez a Folha de quarta e de ontem. Se serve de consolo, economistas de bom calibre conservam as mesmas dúvidas até agora.

Os jornais também não conseguiram desenhar um cenário para o plano. Entre fazer futurologia barata e adotar um comportamento cauteloso, preferiram a segunda via. Não há previsões sequer para o final deste mês. Em compensação, não há também aquela euforia que sucedeu o Cruzado, ou aquele espanto que acompanhou o plano Collor em sua primeira versão. O país recebeu a URV em paz, mas ninguém sabe o que vai ser de todos nós quando chegarem os contracheques de março. Ou quanto vai ser a inflação da próxima semana. Ou quanto vai custar o feijão de amanhã. O país, é verdade, está acostumado a ter surpresas, mas a imprensa não fez qualquer esforço no sentido de torná-las menos surpreendentes quando chegarem. Olhou a URV, publicou guias para o leitor pagar as contas do dia-a-dia e ficou nisso. Lavou as mãos.

O que os jornais não conseguiram esconder foi a boa vontade com que receberam mais esta fase do plano FHC. A imprensa, sempre tão generosa com o ministro, reproduziu em manchetes sua aposta no plano. "FH prevê queda da inflação em maio", exagerou o carioca "O Globo" na edição de terça-feira, atribuindo ao ministro o compromisso de derrubar o famigerado índice quando a nova moeda, o real, entrar em circulação. "Preços abusivos começam a ser punidos", estampou o também carioca "Jornal do Brasil" na quinta, sem explicar o que são "abusivos" (um conceito, de resto, subjetivo demais para o jornalismo). O jornal também anunciou um velho filme: disse em sua primeira página que "a Sunab entra em campo em defesa da URV (com) fiscais em ação em todo o país".

O "Estado" de domingo passado já anunciava que "Estudo mostra queda de preços em URV", manchete ardilosa para a véspera do anúncio de um plano econômico. O jornal mostrava um estudo da Fipe revelando que, caso o indexador estivesse vigorando já em fevereiro, a inflação teria caído. Um exercício tão intrincado quanto inútil como manchete de jornal, mas eficiente como propaganda da URV.
A Folha foi mais fundo ainda. Publicou manchete na edição de sexta-feira com um enunciado daqueles que só o tempo vai confirmar -ou não. "FHC assume candidatura ao Planalto", escreveu o jornal. O ministro continua dizendo que não é candidato a nada (mas esse é o mesmo ministro que disse que os salários conservariam seus valores nominais e teriam conversão opcional pela URV). A rigor, a reportagem em que se apoiou a manchete da sexta-feira não permite a inferência de que ele "assume" a candidatura. Mas o jornal gosta de "furos", gosta de ousar e gosta de FHC. O ministro cresceu depois do anúncio da URV e é a mais forte opção anti-Lula do momento. Um momento que pode durar até outubro.

Enfim, foi uma semana em que a imprensa correu atrás das notícias, quaisquer que fossem, para se mostrar íntima do plano FHC. Publicar que as notas do novo real serão importadas, estampadas com a fauna brasileira ou trocadas todas num mesmo dia pelo surrado cruzeiro valeu quase tanto quanto mostrar o cálculo dos salários pela média ou a medida da inflação da semana em URV -com a diferença de que ninguém se entendeu sobre estes últimos. Ao leitor que se sente perdido no meio dessa barafunda de informações resta o alívio de perceber que ele não é o único desinformado do país.

Texto Anterior: Na ante-sala do real
Próximo Texto: O preferido que não é
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.