São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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História explica "cartorialismo"

OLIVIA SILVA TELLES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A expressão "Estado cartorial", para designar o Estado brasileiro, dá a medida da importância dos cartórios na formação política do país. Segundo a professora de ciência política da Faculdade de Educação da USP, Maria Victoria de Mesquita Benevides, "o cartório como presente, doação, privilégio e até objeto de compra e venda é uma constante na história brasileira. É um bom exemplo para ilustrar a perversa confusão entre o público e o privado, em benefício dos amigos do rei."
Para ela, os cartórios são uma ilustração de "nossa pesada herança lusitana, um exemplo do Estado patrimonialista, no sentido de que a fruição privada de um bem público - no caso, a delegação do serviço- faz parte da ordem estamental."
A professora refere-se à Aliança Liberal, que durante a Revolução de 30 quis acabar com os privilégios dos cartórios privados. "Mas os vitoriosos apenas destronaram os donos dos cartórios nomeados pelas oligarquias de antes de 30 e nomearam os seus próprios apaniguados. Foi uma circulação de elites."
Mais tarde, segundo ela, o "Pacote de Abril", do governo Geisel, em 1977, "quis acabar com as nomeações privadas para os cartórios, mas manteve os direitos dos que eram donos na época."
Em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, segundo a professora, houve casos de proprietários que queriam se aposentar e, sem herdeiros, simplesmente "vendiam" o direito de exploração do cartório."Até a UDN (União Democrática Nacional), partido que vivia do moralismo com a coisa pública, tinha membros e apoiadores como donos de cartórios", diz a professora.
Maria Victoria afirma ainda que muitos cartórios foram dados de presente por governantes a seus amigos e simpatizantes. "No Rio de Janeiro, enquanto era Distrito Federal, o cartório sempre foi o melhor presente político. O 5º cartório de imóveis de Copacabana deixou milionários e, dando tanto lucro, teve que ser desmembrado."

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