São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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O Cruzado e o FHC

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – O ministro Fernando Henrique Cardoso deveria conversar um pouco mais com Pérsio Arida, presidente do BNDES e um dos arquitetos do plano econômico, para evitar repetir continuamente algumas bobagens a respeito do Plano Cruzado, de que Arida foi também um dos pais.
O ministro insiste, dia após dia, em que o fracasso do Cruzado se deveu ao fato de o governo da época ter dado um ganho supostamente indevido para os salários, o que, acoplado ao congelamento dos preços, levou a uma explosão de consumo que, no limite, explodiu também o plano.
Não foi essa a causa do malogro do Cruzado. Fracassou porque o presidente José Sarney, encantado com a popularidade inicial, preferiu manter o congelamento a fazer o ajuste fiscal. Ou, em outras palavras, o plano naufragou não nas gôndolas dos supermercados, mas na hollywoodiana casa que a Vale do Rio Doce mantém em Carajás (PA). Nela, em maio de 86, a cúpula do governo e a equipe econômica reuniram-se para discutir o que fazer. Mas o presidente não queria saber de ajuste fiscal e os seus ministros renderam-se, docemente constrangidos, até porque a popularidade também os beneficiava.
É impossível saber se, feito um ajuste fiscal adequado, o Cruzado teria dado certo ou, ao menos, sobrevivido mais tempo. Falta a prova do bolo, que é comê-lo para ver o sabor. Como o bolo sequer foi feito, pode haver chutes, mas jamais certezas sobre o que teria ocorrido.
O que é certo, no entanto, é que o Cruzado poderia ter funcionado, apesar de ter havido ganho salarial no momento de sua decretação. Esse é o ponto central. É justamente o contrário do que diz o atual ministro da Fazenda.
Não se trata de uma discussão vencida. A insistência e até o orgulho com que o ministro e sua equipe dizem que o plano FHC não é um plano de distribuição de renda, mas apenas de estabilização, não pode usar o Cruzado como escudo para se justificar. Ao contrário, o Cruzado só provou que é possível iniciar um processo que beneficie o salário sem dinamitar a economia, desde que, é lógico, se faça a coisa certa também na área das contas públicas.

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