São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Kieslowski demonstra caráter letal da culpa

CÁSSIO STARLING CARLOS
DA REDAÇÃO

Para quem tem um pouco de pessimismo correndo em suas veias, "Não Matarás" é um filme necessário. Concebido como um dos episódios do "Decálogo" –série de dez filmes que o diretor polonês Krzysztof Kieslowski realizou tendo por tema os dez mandamentos–, "Não Matarás" é uma demonstração dos pontos de vista cristãos do cineasta.
Não há alegria, nem redenção no universo de Kieslowski, apenas punição. Seus personagens sofrem de uma fraqueza que os conduz, inelutavelmente, para uma solução trágica. E a culpa é o sentimento que recebe maior ênfase em seus filmes.
"Não matarás" narra um crime e o trajeto percorrido pela culpa para se apossar das consciências dos personagens. Um jovem assassina, sem motivo aparente, um motorista de táxi. Por este ato será julgado e condenado à morte por enforcamento. Um advogado em início de carreira assume sua defesa e, ao ser derrotado na causa, perde a confiança na legitimidade da justiça.
Um esquema tão simples não permite imaginar a intensidade que Kieslowski consegue extrair das situações. Mas é desta simplicidade que ele constrói um tratado sobre a atração infalível que o pecado exerce sobre os homens.
Esta atração , vale lembrar, aproxima seu trabalho do cinema de Hitchcock, cuja influência já foi notada a respeito de "Não Amarás". Mas se Hitchcock investe positivamente no gozo que o crime ou o pecado podem proporcionar, Kieslowski faz a opção contrária.
O mal-estar é reiterado pela utilização de filtros verdes nas lentes das câmeras e pelos enquadramentos claustrofóbicos. O efeito criado é o de uma atmosfera de opressão na qual os personagens se deslocam sem rumo definido.
O mais impressionante contudo está nas cenas de morte. O assassinato do taxista e a execução do condenado são mostrados com uma riqueza de detalhes documental. É exasperante a agonia da vítima e a completa indiferença do assassino diante de seu ato. Este sentimento se repete na cena da execução, na qual a razão não se reconhece no comportamento sádico dos homens responsáveis pela justiça. Isto leva à suspeita de que Kieslowski amplia os limites da discussão moral das leis divinas para o campo político a fim de transformar seu filme em um libelo contra a pena de morte.
Para quem procura diversão, não há motivos para recomendar que leve "Não Matarás" para casa. Mas quem procura um filme grave nas questões morais e políticas que coloca, encontrará uma ocasião adequada para aprofundar os sentimentos mais funestos.

Lançamento: Não Matarás
Diretor: Krzysztof Kieslowski
Elenco: Miroslaw Baka, Jack Globisz
Distribuição: United Films, r. Murutinga do Sul, 13; tel. 011/295-4020

Texto Anterior: Buster Keaton faz graça da desgraça
Próximo Texto: Projeto traz bastidores do cinema brasileiro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.