São Paulo, terça-feira, 15 de março de 1994
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Para não esquecer

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO – Neste país de memória nenhuma, é sempre bom relembrar o que importa. E nada mais importante para ser fixado na memória –mais importante, creio, que o valor da URV– que os vergonhosos números do relatório do IBGE divulgados semana passada para dar início à segunda fase da iluminada campanha do Herbert de Souza, o Betinho.
Na soma dos miseráveis, o número emblemático de 20 milhões de subtrabalhadores –os que não têm trabalho, os que simplesmente não ganham nada pelo que fazem e os que ganham menos que o irrisório salário mínimo nacional (menos de CR$ 50 mil por mês).
Este número agride a sensibilidade de qualquer um pelo volume; é muita gente. Mas são os extremos que chocam mais. Como o fato de uma mulher negra ou parda ganhar, na zona rural de alguns Estados nordestinos, a média de 30% do salário mínimo. Veja bem: a média. Ou seja, tem mulheres que "ganham" menos que isso.
Outro extremo irritantemente vergonhoso refere-se ao número de crianças trabalhadoras, quase dois milhões. Crianças mesmo, entre 10 e 13 anos, que deveriam estar na escola, em pleno primeiro grau. Não, estão na rua para ajudar no sustento da família, sem direito ao lazer, à brincadeira, à infância enfim.
Tudo isso, ainda uma vez é bom que se repita, absolutamente ilegal, não bastasse ser imoral. Porque o trabalho a menores de 14 anos é vetado em dois artigos da Constituição Federal que, embora muita gente despreze isso, ainda está em vigor.
O relatório do IBGE é vergonhoso para o país, mas será de extrema utilidade para a continuidade da campanha da fome, agora pelo emprego. São dados que pelo menos servem para que se crie coragem e se diga não à indecência da miséria.
Miséria que está aí, nas ruas, surgida da falta de trabalho e que continuará a existir enquanto o organismo social como um todo não mudar de comportamento. Aquele comportamento hipócrita que faz a gente esquecer depressinha o que incomoda demais.

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