São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Terra de Múcios

RICARDO SEMLER

Tal qual o personagem do Jô Soares, que ficava totalmente de acordo com o último a falar –tirou daqui– a campanha presidencial começa com reviravoltas de opinião surpreendentes. Tome-se como exemplo o evento programado para a CNI –a Fiesp das Fiesps– aonde o Fernando Henrique será homenageado, bajulado e lançado candidato dos grandes empresários –curiosamente os mesmos que sempre o consideraram comunista, perigoso, e não confiável. Ironicamente, o apoio dos empresários –tão desejável no caso do FH permanecer ministro– passa a ser um fardo em caso de campanha. E assim vai. A ironia compara com a possível necessidade política do PSDB de se coligar com o PFL. Além de ser o partido do coronel que só tem lugar em romance do folclórico Jorge Amado, significa aliar-se aos que formaram parceria com a ditadura que gerou as repressões e violações de direitos humanos que condenaram o país ao quartomundismo que hoje nos ronda. Aonde começa o idealismo e por que paragens cessa o pragmatismo político? Sei que estes conflitos tiram o sono do PSDB, como também sempre aconteceu no PT.
O ACM ameaça sair candidato na semana que vem, criando assim pressão para definição de coligação, e querendo mostrar que o PFL tem força. Ora, ora. Nada seria mais divertido do que ver o sócio do Roberto Marinho –aliás, sua principal razão por popularidade na Bahia– se esborrachar na parede das eleições e, com alguma sorte, se aposentar, já que a hora para isto já passou, há muito. O seu benfeitor da Globo, que poderia se beneficiar (e ao Brasil) da mesma aposentadoria, não seria tolo o suficiente para repetir o erro do "affaire" Fernandinho. Talvez um pedido de piedade deva ser redigido ao coitado do Sarney, que acha que ele mesmo poderia ser uma solução de conciliação nacional. Iac, iac! Será que o maranhense não aceitaria um apelo nacional para que formasse, numa dessa ilhas Curumi ou Curupi, uma colônia de aposentadoria, convidando todos estes senhores para lá morar, elegendo também o ACM membro da Academia Brasileira de Letras e tomando chá de pó de guaraná enquanto assistem à novela das seis?
Como o Quércia e o Maluf são nomes combalidos, desgastados e inviáveis, só servirão para criar tumulto, especialidade das casas. O passado administrativo e a fortuna inexplicada do Quércia o transformaram em personagem do Retorno dos Mortos Vivos, que sempre acabam refalecendo ao final de cada episódio nauseante. O Maluf, então, após espalhar incompetência em obras e vias públicas, disparar a dívida da cidade, apinhar sardinhas em ônibus, ter um filho e vários amigos íntimos indiciados em crimes relacionados a ele mesmo, e ainda promover concorrências mal-explicadas, coloca agora a cereja em cima do bolo, quebrando sua promessa de número 2455, a de permanecer no cargo até o fim. Não que isto fosse desejável –o ideal mesmo é que saia para Presidência, acabe no merecido quarto lugar, e se aposente da vida pública em total frustração, unindo-se aos amigos na Ilha Cururupiri.
Sobrariam então, nomes como Lula, Antônio Britto e Fernando Henrique, numa eleição transparente, com nomes interessantes e de primeiro mundo. Senão, é o caso de juntar aqui, acertar acolá, raposa enganando raposa, enquanto assistimos, com dedos cruzados, ao festival de coroneizinhos de meia pataca fazendo onda, em horário nobre. Já assistimos antes, não seja por isso...

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