São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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O cenário escureceu

JANIO DE FREITAS

Em entrevista difundida na quinta-feira por seu maior patrocinador, o "Jornal Nacional", o ministro Fernando Henrique quis fazer uma crítica aos aumentos que a Câmara do Deputados e o Judiciário se autoconcederam, mas o que emitiu foi a confissão de uma atitude sempre negada: "Agora que nós estamos pedindo a contenção dos salários em geral" (e foi em frente). Eis aí, com clareza que nenhum sofisma ou redução aritmética poderá negar, o que é o tratamento dos salários e vencimentos que é a base do Plano FHC. Seguimento, aliás, da política estranguladora de correções salariais a cada quatro meses com inflação de 40%.
Os aumentos da Câmara e do Judiciário acenderam o estopim que o plano introduziu na dinamite dos salários e vencimentos. Sem contar sequer com a Justiça, cujas altas instâncias decidem mais politicamente do que pelo Direito, os civis não têm meios de defender-se. Mas os militares têm. Já acuado pela reação militar, o Senado vai derrubar o aumento dos congressistas. Nem por isso a crise terminará. Porque sua verdadeira causa não está nos dois aumentos autoconcedidos.
Câmara e Judiciário criaram, isto sim, a oportunidade (e um elemento a mais, sem dúvida) para o transbordamento da ira dos militares com seus vencimentos. Ou, vista a mesma coisa pelo seu ângulo administrativo, a oportunidade para que os ministros militares refletissem a ira geral para o presidente e o governo –o que foi feito, com energia incomum, na reunião ministerial extraordinária de anteontem.
Não tenho comprovação ou negação de que os ministros militares chegaram, na reunião, a "exigir a invalidação" dos aumentos de congressistas e do Judiciário. Mas só o fato de que tenham pedido a reunião extraordinária indica que a situação em sua área está se tornando insustentável. Não é para menos. Deseja-se dos militares que se restrinjam às suas atividades profissionais. Mas à quase totalidade deles não se dão os meios materiais para uma vida pessoal que não leve a transporem os limites da função profissional. Revoltamo-nos com a ineficiência e as imoralidades que perpassam todo o funcionalismo civil. Mas o que se paga a médicos, cientistas, professores, burocratas, servidores braçais, a todo o funcionalismo, é mais do que indecente: é criminoso, é crime contra eles, contra a população, contra o presente e o futuro do país.
Apesar disso, os economistas estãos sempre salvando o Brasil à custa dos salários e vencimentos. Os que escrevem ou falam à opinião pública, cobram a profissionalização dos militares e denunciam as mazelas materiais e morais do serviço público, mas fazem de tudo para impingir na opinião pública a aceitação de médias e correções quadrimestrais e arrocho de salários e vencimentos –enquanto procuram obter melhores condições para si próprios.
Pode ser que estas contradições todas ainda perdurem muito. Não parece provável, porém, que continuem tal como são neste momento. O estopim que a Câmara e o Judiciário acenderam tende a levar, pelo menos, a um mascaramento, decorrente de reconsiderações da visão estreita da equipe econômica avalizada pelo ministro Fernando Henrique. Tão atenciosos, a equipe e o ministro, com a força dos credores externos, a ponto de consumirem quase US$ 5 bilhões na compra de títulos do governo americano para que eles aceitem rolar a dívida brasileira, tudo indica que ministro e equipe vão descobrir a existência de uma outra força. Interna. E não desprezível como os civis.
A primeira consequência da crise a equipe encontrará já nesta semana: Itamar Franco não quer mais protelações para a emissão de medidas duras contra os aumentadores de preços. Não reflete só a sua opinião. É também uma cobrança dos militares.

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