São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Rivais acusam Williams de desrespeitar o regulamento

FLAVIO GOMES
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma olhada despretensiosa no FW16, o carro que deve conduzir Ayrton Senna ao tetracampeonato, é capaz de enganar até os especialistas mais atentos. O novo modelo da Williams se parece muito com seu antecessor, o campeoníssimo FW15. Patrick Head e Adrian Newey, a dupla de projetistas da equipe, "escondeu" seus trunfos sob a traseira da máquina. A revolução aerodinâmica que deveria vir de Maranello, com a Ferrari de John Barnard, explodiu em Didcot.
As inovações são sutis, mas decisivas. O carro é mais estreito e, atrás, muito mais baixo. De visível, mesmo, apenas o desenho esquisito da asa interna do aerofólio, em forma de bumerangue. Uma solução genial em sua simplicidade. Ela acompanha o perfil do cockpit, deixando áreas livres por onde passa ar. Aguardem cópias.
Até aí, nada demais. Um pouco mais abaixo estão as novidades que já suscitaram, entre as equipes rivais, dúvidas quanto a sua legalidade. Head e Newey carenaram o semi-eixo traseiro, cobrindo os braços da suspensão com míni-aerofólios em fibra de carbono. As duas peças, na prática, têm funções aerodinâmicas. Como elas acompanham os movimentos das molas e amortecedores, transformam-se no que se chama de "peças aerodinâmicas móveis", expressão demoníaca que no ano passado ameaçou a maioria das equipes de exclusão do Mundial.
A Williams, que de boba não tem nada, não foi criando suas maluquices sem antes se certificar de que não correria riscos. Convocou um comissário técnico da FIA para visitar a fábrica no período de construção do carro e arrancou do tal cidadão um documento atestando seu respeito às regras.
Só isso já faz prever uma discussão inócua. McLaren, Ferrari e Benetton vão pregar no deserto. Ponto para a Williams, que de novo sai na frente. Demonstrou isso nos testes que Senna realizou em Imola, há dez dias. Ayrton foi o mais rápido em todas as sessões, exceto na última, quando perdeu para Michael Schumacher. Mas, segundo ele mesmo, depois de bater o recorde do circuito, na quinta-feira, o cronômetro deixou de ter importância.
As incertezas foram sendo dissipadas graças ao profissionalismo extremado do piloto. Seu nível de exigência e de conhecimento de carros assustou os técnicos da Williams e conquistou a equipe. Ayrton descobriu macetes do motor Renault RS6, sugeriu pequenas mudanças e todas deram certo. Queixou-se da má acomodação dentro do cockpit, nos primeiros testes, e hoje já consegue se movimentar com menos desconforto. Um veterano técnico da Williams, no início do ano, disse que até a chegada de Senna piloto algum na história da equipe ousou reclamar do habitáculo –e ele, no primeiro dia, fez os mecânicos cortarem um pedaço do cokpit.
Senna guiou um Williams pela primeira vez em meados de janeiro, no Estoril –o teste que fez em 83, quando ainda era piloto da F-3 Inglesa, perdeu-se no tempo. Aparentou decepção e ansiedade. O carro era o de 93, sem suspensão ativa, controle eletrônico de tração e difícil de dirigir, um bólido indomável. Depois, iniciava um convívio com uma equipe totalmente nova, rostos diferentes, hábitos diversos daqueles que cultivou em seis anos de McLaren.
Passados dois meses, ele já se sente quase em casa e sorri quando fala de seu novo brinquedinho. Esse sorriso é a maior ameaça a seus inimigos.(FG)

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