São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Magistratura deve expor suas idéias

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

William Douglas, que foi da Suprema Corte dos Estados Unidos, escreveu: "Se os juízes forem fiéis às suas responsabilidades e tradições, não hesitarão em falar franca e claramente sobre as grandes questões que lhes são submetidas". Carlos Mário da Silva Velloso, ministro do Supremo Tribunal do Brasil, em livro recente ("Temas de Direito Público", Del Rey Editora, 552 páginas), citando Douglas, acrescenta que a divergência entre juízes é benfazeja. Demonstra em seguida os fundamentos de sua afirmação, com opiniões muito claras a respeito dos temas mais atuais do Judiciário brasileiro. Sem nenhum temor quanto a eventuais divergências, mas os examinando com cuidado e sempre apoiado em dados estatísticos.
Em muitas ocasiões tenho afirmado, ao longo dos anos, que a magistratura brasileira, além de processualmente passiva, é socialmente calada. Quando um ministro do mais importante tribunal do país sai a campo para anunciar e para defender suas idéias, o fato deve ser saudado com grande júbilo. Concordar ou discordar de seu posicionamento é importante. Menos importante, porém, do que verificar o enunciado firme de convicções pessoais, evento raro entre os magistrados nacionais.
O mandado de injunção, previsto na Constituição de 1988, serve de exemplo. Foi desnaturado, perdeu força nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) apesar de alguma evolução nos últimos tempos. Estou, pois, de acordo com Carlos Mário, quando sustenta (minoritariamente) que o Supremo, ao julgar procedente o mandado de injunção, pode e deve elaborar a norma para o caso concreto.
Colaborei no recente livro "O Judiciário e a Constituição" (Saraiva, 326 páginas), coordenado pelo ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, com estudo sobre o afastamento entre o Judiciário e o povo. Nele examino alguns dos aspectos sucitados, extraindo -entre outras- uma conclusão comum com Sálvio e Carlos Mário, no sentido de que o Judiciário não é mero Poder equidistante das partes e dos interesses discutidos no processo, mas participante direto e efetivo no próprio destino da Nação, como um órgão de governo, responsável pelo bem de todos.
Os juizados especiais constituem uma esperança de atendimento de uma boa parte da clientela judicial que, ainda hoje, não tem acesso à Justiça comum. Tem havido uma tendência, observada pelo menos em São Paulo, no sentido de criar duas "Justiças" especiais: uma de pequenas causas e outra para causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. Carlos Mário entende que a denominação "juizados especiais" equivale a "juizados de pequenas causas", designando a mesma realidade estatal.
Como disse, de início, as concordâncias e as discordâncias são menos relevantes do que a constatação de um juiz emitindo opiniões, firmes, corajosas, mas prudentes. Sem escândalo. As duas últimas semanas não foram boas em matéria de prudência, como se viu nas declarações atribuídas ao presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O episódio fluminense, porém, é a exceção que confirma a regra. O Judiciário não é um ET, um extraterreno, olímpico e diferente ao grupo social. Na preocupação com o justo e com o bem comum pode tomar as idéias expostas por Carlos Mário da Silva Velloso como um bom parâmetro.

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