São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Esgota-se o prazo para FHC

LUÍS NASSIF

Em fins do ano passado tinha-se o país pronto para o grande processo de reforma do Estado. A CPI do Orçamento expusera de maneira crua todos os vícios do atual modelo político fisiológico. Mesmo no âmbito de um governo medíocre, como o de Itamar, ascendeu um grupo de técnicos imbuídos do mesmo propósito, de perseguir a grande reforma do Estado.
Dezembro e janeiro foram pródigos em boas idéias, que iam da reforma do Estado, da legislação trabalhista à ampliação da privatização, com participação dos fundos sociais.
Depois de um longo período de turbulências, finalmente governo e sociedade haviam recuperado a embocadura. O Ministro Fernando Henrique Cardoso lograra acalmar o presidente. E a trégua proporcionada, somada ao enorme aumento da consciência nacional com os escândalos do orçamento, criou um momento extremamente propício à retomada das reformas modernizantes.
A coluna, que não pode ser acusada de simpatizante deste e de outros governos, registrou assim esse período:
8 de dezembro passado: "O programa econômico apresentado ontem, pelo mMinistro Fernando Henrique Cardoso, acabou ganhando uma abrangência insuspeitada, graças à entrada em cena, nos últimos dias, de duas pernas novas: o Ministério da Descentralização (incumbido de reorganizar administrativamente a União) e a ofensiva da Secretaria de Administração Federal (SAF), tentando remontar a estrutura de cargos e salários do setor público".
"Tem desenhada, de maneira ampla e objetiva, os pontos principais da grande reforma do Estado, capaz de preparar o terreno para o ajuste definitivo –para este ou, no máximo, para o próximo presidente."
14 de janeiro deste ano: "Nos próximos dias, antes de deixar o cargo e voltar para casa, para se candidatar a deputado federal, o secretário Nacional de Saúde, Carlos Eduardo Mosconi, dará início à mais importante experiência federativa da história brasileira –rompendo, pela primeira vez de maneira organizada, com quatro séculos de centralismo ineficiente, corruptor e incontrolável, que marcou o Estado brasileiro."
17 de janeiro deste ano: "Aos poucos acabou se formando, em torno do presidente da República, um núcleo reformador da melhor qualidade, comprometido com a reforma do Estado e sua subordinação aos interesses legítimos da cidadania."
"A reforma do Estado brasileiro –tal como imaginada pelo pessoal da Secretaria da Administração Federal (SAF) e do Ministério do Planejamento (Seplan)– tem duas pernas. De um lado, o aprofundamento da descentralização, através da criação de uma Câmara Setorial (já aprovada pelo presidente) para negociar transferência de atribuições para Estados e municípios. De outro, na reorganização do serviço público."
19 de janeiro deste ano: "No atual ímpeto renovador que acomete parte do governo Itamar, um dos temas de maior relevância, que começa a ser estudado, é a questão da reestruturação dos fundos e organismos regionais –tipo Finor e Sudene (do Nordeste), Finam e Sudam (da Amazônia), e Codesvaf (do Vale do São Francisco)."
20 de janeiro deste ano: "Aos poucos, nas melhores cabeças do país, começa a se consolidar o diagnóstico de que a modernização brasileira já alcançou uma dinâmica irreversível."
Parando tudo
Com o lançamento da URV, todos os temas modernizantes foram para segundo plano. A energia consumida para a aprovação do Fundo Social de Emergência e do plano em si, acabou exaurindo o que restava de boa vontade parlamentar para a revisão constitucional. Toda a discussão em torno de reformas e de controle do Estado foi substituída por uma polêmica estéril sobre os efeitos da URV sobre os salários.
Não se fala mais em privatização com fundos sociais, em aprofundamento do federalismo, em reforma da legislação trabalhista. A municipalização da saúde está ameaçada pela falta de verbas.
Não se acredita sequer em possibilidade da revisão constitucional vingar.
O tempo corre contra o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. A responsabilidade pelo fracasso das reformas jamais será debitada a essas múmias da política –como Humberto Lucena, Itamar Franco, Inocêncio de Oliveira– de quem nunca se esperou nada mesmo.
Se o ministro não superar sua indecisão e não se colocar imediatamente a campo para comandar as reformas e salvar a revisão –independentemente de ser candidato ou não– a história não o perdoará.

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