São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Um acordo esperto

JOSÉ ROBERTO CAMPOS
EDITOR DE ECONOMIA

Pelos fatos e pela lógica, seria impossível que o governo brasileiro, com o Plano FHC, obtivesse mais do que uma saudação de boas-vindas do FMI. Pensar a sério em obter rapidamente um acordo stand-by seria menosprezar a burocracia e as regras de conduta do Fundo. A equipe sabia disto, tanto que começou a arrematar os títulos do Tesouro americano –que servem de garantia para o acerto de contas com os bancos credores– na clandestinidade.
O futuro do Plano FHC é cercado de tantas incertezas que se torna penoso para o Fundo não apenas mensurá-lo pelos seus habituais e rígidos padrões quantitativos, mas vislumbrar sua coerência e possibilidades de êxito. Para os treinados e experientes tecnocratas do FMI, seria uma aberração:
1 - aprovar um plano de estabilização às vésperas de uma das mais disputadas eleições brasileiras;
2 - dar o aval a um ministro da Fazenda que em poucos dias deve deixar o cargo para disputar a Presidência da República;
3 - supor que um eventual substituto do ministro da Fazenda dará prosseguimento a sua execução sem ter certeza de que isto de fato vá acontecer (em um país dirigido por Itamar Franco);
4 - ampliar por vias transversas as chances de um candidato com possibilidades incertas (no caso, FHC) para evitar um mal maior, a vitória da esquerda (o PT), o que soaria como uma ingerência política óbvia e desastrada nos assuntos de um país-membro;
5 - apostar que o plano possa ter uma vida superior a sete meses, mais ou menos o tempo que falta para o primeiro turno, quando ele poderá ser sepultado nas urnas;
6 - exigir coerência nos números recém-esboçados pela equipe, que pode ter uma idéia de qual será a data ideal para a entrada em vigor da nova moeda (mas não a certeza) e que rege as principais partituras do plano pela música eleitoral;
7 - averiguar compatibilidades das contas brasileiras às vésperas de uma reforma monetária (com tablita ou sem tablita?) que pode mudar boa parte das regras do jogo;
8 - examinar e prever resultados de um país que caminhando para o quarto mês do ano fiscal sequer tem um orçamento, que precisa de aprovação pelo Congresso em pleno ano eleitoral;
9- aprovar as linhas mestras de um plano que sequer foi aprovado pelo órgão soberano de decisão, o Legislativo (a MP que cria a URV ainda não foi votada).

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna "Monitor", de MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE.

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