São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Capital externo e livre comércio sul-americano

ANTONIO KANDIR

Pouco a pouco, o Brasil foi voltando a entrar no radar dos investidores internacionais. Nos últimos anos, o interesse tem sido crescente. Em 1993, a entrada líquida de capitais externos foi da ordem de US$ 30 bilhões. Nos meses iniciais de 1994, todos os sinais parecem confirmar a expectativa de que o Brasil possa vir a converter-se em grande pólo de atração de poupança externa.
Em face deste quadro, é importante aliar o esforço interno de reestruturação e ajuste econômicos com iniciativas de política externa que ampliem nosso potencial de atrair investimentos. Vem, portanto, em hora mais que oportuna, a iniciativa do Itamaraty, explicitada na reunião de 25 de março em Buenos Aires, de alargar os limites do Mercosul, com vistas à formação de uma área de livre comércio abrangendo todo o continente sul-americano.
A oportunidade da iniciativa fica ainda mais evidente quando se tem em vista: 1 - as demonstrações renovadas de interesse dos EUA de intensificar suas relações comerciais com o restante das Américas; 2 - as dificuldades e incertezas de ordem política e econômica do México, principal rival do Brasil na América Latina, em termos de capacidade de atração de investimentos.
Segundo dados ainda extra-oficiais, o PIB do México teria apresentado taxas negativas de crescimento no 2º semestre de 1993.
Longe de indicarem fenômeno episódico, os dados confirmam tendência que vem desde 1990. Naquele ano, o crescimento do produto mexicano chegou próximo a 4,5%, para depois iniciar queda persistente (3% em 1991, 2,6% em 1992 e estimados 0,4% em 1993). A causa fundamental da desaceleração é a política de combate à inflação, apoiada em cortes de despesas e juros reais altos.
De todo modo, ainda que se tenha em conta o aperto fiscal e monetário, começa a saltar aos olhos a dificuldade de reação da economia mexicana, apesar do grande volume de capitais externos que ingressou no país desde 1988 (só em 1993 foram US$ 25 bilhões, equivalentes a 10% do PIB).
Não bastasse certa anemia da economia, surgem complicações no quadro político. Pela primeira vez em décadas, há dúvidas quanto à vitória do PRI nas eleições presidenciais, por força da recessão, da escolha de um candidato de pouco apelo popular para suceder Salinas de Gortari e de pressões internas e externas que tendem a dificultar a fraude eleitoral.
Se o vencedor das eleições de asgoto deste ano for o Partido Revolucionário Democrático, inclinado ao populismo e ao nacionalismo, muita coisa pode vir a mudar no México, inclusive suas relações com os Estados Unidos (o candidato do PRD fala em renegociar os termos do Nafta).
Em face deste quadro de incertezas e problemas, ampliam-se grandemente as oportunidades do Brasil. O tempo prolongado que a economia mexicana vem levando para mostrar sinais de vitalidade, somado à dúvida quanto à continuidade das políticas de Salinas de Gortari, pode vir a afugentar capitais externos do México.
Num cenário mundial em que as alternativas de valorização do capital não são muitas, o que não deve mudar substancialmente nos próximos dois anos, o Brasil tem a oportunidade de firmar-se como grande pólo de atração de poupança externa, fator fundamental para sustentar um novo ciclo de crescimento econômico.
As possibilidades de que isto venha a confirmar-se dependem do sucesso do programa de estabilização. Mas a capacidade de atrair investimentos será ainda maior se o Brasil assumir a liderança de um bloco regional ampliado.
No momento em que os Estados Unidos parecem ter tomado a decisão estratégica de conquistar mercados nas Américas e o México não apresenta perspectivas animadoras no curto prazo, vislumbra-se a brecha de uma futura integração hemisférica, em condições favoráveis ao Brasil. Vale a pena trabalhar nesta direção.

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