São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Negociador de Chiapas entra na campanha mexicana

PHIL DAVISON
DO "THE INDEPENDENT"

Se não tivessem finalmente sido fotografados juntos, a gente poderia pensar que Manuel Camacho Solís, o negociador do governo mexicano, e o subcomandante Marcos, o mascarado líder da guerrilha zapatista, são na realidade a mesma pessoa. Afinal de contas, não está certo qual dos dois se tornou o maior herói nacional depois da breve insurreição no Estado de Chiapas, no sul do país.
No encontro dos dois –cara-a-cara, sendo uma delas mascarada–, na velha catedral colonial de San Cristóbal de las Casas, no mês passado, a coincidência de pontos de vista foi tão espantosa que uma teoria está sendo seriamente aventada entre intelectuais da Cidade do México: que Camacho teria promovido a insurreição para seus próprios fins políticos.
Apesar de ser patentemente ridícula, a teoria conseguiu mais adeptos no fim-de-semana passado, depois que Camacho, 47, há longa data militante do governista Partido Revolucionário Institucional (PRI) e amigo íntimo do presidente Carlos Salinas de Gortari, desafiou Salinas e o partido que governa o México há 65 anos.
Camacho, seriamente desapontado em novembro passado quando Salinas não o indicou candidato presidencial do PRI às eleições de agosto, deu fortes indícios de que poderia aproveitar sua popularidade e candidatar-se ele mesmo.
"No caso de as reformas serem aprovadas, o papel mais adequado para mim seria o de apoiar a transição democrática", disse Camacho numa entrevista coletiva. Os boatos de que ele talvez se candidatasse à Presidência já haviam provocado oscilações na Bolsa de Valores local e enfraquecido o peso mexicano. Não era nada pessoal –mas o que estava em jogo eram 65 anos de tradição.
"Outra possibilidade", disse Camacho, "é que, se não houver avanços democráticos, se em lugar de acordo houver polarização, se alguém procurar pisar sobre meus direitos políticos, eu tomaria a necessária decisão de promover o avanço da democracia". Apesar da maneira indireta em que a expressou, a mensagem era clara. Ou o partido muda ou Camacho se candidata à Presidência.
Legalmente, ele ainda poderia concorrer pelo próprio PRI. O partido tem um prazo de até um mês antes das eleições, marcadas para 21 de agosto, para mudar seu candidato. Ou então ele poderia concorrer por outro partido, talvez pelo pequeno Partido Verde, ou possivelmente criar algum tipo de aliança com o principal partido oposicionista, o Partido da Revolução Democrática (PRD), pelo qual o popular esquerdista Cuauhtémoc Cárdenas é candidato.
Quer seja pelo PRI ou contra ele, o inusitado desafio que Camacho lançou ao sistema poderá provocar o maior terremoto político no México desde a revolução de 1910-1917. O PRI governa o país desde 1929, através de um sistema que lhe assegura o controle do governo, do Legislativo, do Judiciário e da classe trabalhadora. No final de seu mandato, cada presidente do PRI escolhia a dedo seu candidato para o próximo mandato.
Como amigo de longa data de Salinas, economista como ele, seu braço-direito no Ministério do Orçamento e Planejamento, ex-secretário-geral do PRI e depois prefeito da Cidade do México, desde que Salinas assumiu o poder, em 1988, Camacho se via como candidato certo. Quando Salinas indicou para a candidatura presidencial um rival, Luis Donaldo Colosio, Camacho, segundo um amigo, "ficou branco".
Enfurecido, ele renunciou à prefeitura da capital, mas em dezembro aceitou –de má vontade– o cargo de ministro do Exterior. No dia 1º de janeiro irrompeu a revolta de Chiapas e Salinas o indicou para ser negociador.
Antes que os mexicanos tivessem tempo para compreender que a coisa toda não era sonho, Camacho havia negociado um cessar-fogo e uma série de acordos visando melhorar a situação dos oprimidos camponeses indígenas. Marcos e seus colegas negociadores do Exército Zapatista de Libertação Nacional retornaram à selva de Lacandón para estudar as concessões do governo.
As únicas reivindicações importantes que não foram atendidas foram a renúncia do presidente Salinas e a promessa de transição para uma verdadeira democracia. Com seu amigo Camacho na corrida presidencial, a primeira talvez venha a tornar-se desnecessária e a segunda, uma possibilidade real.

Tradução de Clara Allain

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