São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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El Salvador faz 1ª eleição após guerra civil

NEWTON CARLOS
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

El Salvador faz 1.ª eleição após guerra civil
Conservador Armando Calderón e Ruben Zamora, da ex-guerrilha FMLN, são favoritos em pleito polarizado
Há mais de 60 anos submetido a governos autoritários de direita e depois de uma guerra civil que durou 12 anos e matou entre 70 mil e 80 mil pessoas, hoje El Salvador realiza afinal eleições, com a presença, na linha de frente, de forças de esquerda e centro-esquerda.
São "as eleições do século", de acordo com a propaganda oficial. Certamente as mais importantes da história do país, como admite Ruben Zamora, candidato da coligação da Convergência Democrática (de centro-esquerda) com a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional. A ex-guerrilheira FMLN se desarmou em cumprimento ao acordo de paz de janeiro de 1992, negociado pela ONU com a cobertura dos Estados Unidos, e transformou-se em partido político.
Treze pesquisas de intenção de voto feitas entre junho do ano passado e fevereiro deste ano dão como favoritos o partido no governo, a Arena (Aliança Republicana Nacionalista), em primeiro lugar, a CD-FMLN em segundo e em terceiro o Partido Democrata-Cristão (PDC). Por isso se diz em El Salvador que o cheiro de pólvora continua, com o centro "moderado" inexistente e os extremos disputando o poder, agora pelo voto.
Documentos antes secretos, liberados pelo governo americano em novembro passado, incriminam o candidato oficial, Armando Calderón Sol, de ligações no passado com os "esquadrões da morte". O major Roberto D'Aubuisson, fundador da Arena, foi acusado de inúmeras atrocidades. A "Comissão Verdade", patrocinada pela ONU, sem isentar ex-guerrilheiros hoje mais preocupados com a luta política, responsabiliza as "forças de segurança", espécie de braço armado da Arena, pela maioria (85%) das brutalidades cometidas na guerra civil.
A guerra verbal na campanha eleitoral utilizou quase as mesmas palavras de ordem que acompanharam a violência da guerra: a Arena insistindo em que é preciso barrar o comunismo e a CD-FMLN, ao mesmo tempo que carrega contra o que chama de sistema oligárquico, dizendo que não está em jogo apenas o poder, mas também a forma como ele é exercido em El Salvador.
Zamora, no entanto, um advogado de 52 anos, seis a mais do que Calderón Sol, procurou ganhar votos da classe média e do empresariado evitando radicalismos. O PDC, com seu "centrismo", ficou sem saber o que fazer em meio a esse fogo cruzado.
Os Estados Unidos, que nos anos 80 gastaram US$ 1 milhão por dia financiando a "contra-insurgência" em El Salvador –para que o comunismo não passasse, como proclamava o então presidente Ronald Reagan–, trataram de evitar identificação com qualquer dos candidatos.
Washington ameaçou cortar a ajuda econômica para forçar a destituição, recomendada pela "Comissão Verdade", de 102 militares acusados de atrocidades. Um alto funcionário do Conselho de Segurança Nacional americano disse a Zamora que o governo Clinton trabalhará com quem quer que seja o vencedor, para "consolidar a democracia" em El Salvador.
Mas as expectativas de abstenção vão até 45% e a ONU informa que talvez 400 dos inscritos são mortos, gente que nunca foi buscar seus documentos ou que se mandou para o exterior.

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