São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Decadência da Camorra acirra a disputa eleitoral em Nápoles

PATRICIA CLOUGH
DO "THE INDEPENDENT", EM NÁPOLES

Achille Lauro, o antigo chefão político de Nápoles, costumava fazer suas campanhas eleitorais dando um pé de sapato novo a cada eleitor que prometia votar nele. Quando ganhava a eleição ele dava o outro, formando o par.
Os dirigentes políticos mais recentes eram mais sofisticados: mantinham registros computadorizados dos favores concedidos –empregos obtidos, problemas resolvidos, "jeitinhos" dados– e dos votos devidos. A Camorra –a Máfia napolitana– controlava contingentes enormes de votos, que eram dados aos políticos que faziam o que ela pedia.
Agora os chefões políticos caíram e estão enfrentando julgamentos e possíveis condenações à prisão. A Camorra, fortemente atingida pelas prisões de figuras proeminentes, pelo desaparecimento de seus protetores políticos e pelas confissões de muitos "pentiti" (arrependidos), está numa situação de confusão. Para onde irão todos aqueles votos nas cruciais eleições de 27 e 28 de março?
"A política propriamente dita tem muito pouco a ver com isso", afirmou Gianni Festa, editor político do diário napolitano "Il Mattino". Com milhares de pessoas desempregadas, vivendo na miséria ou na ilegalidade, à custa do contrabando ou do tráfico de drogas, "as pessoas votam em quem pode lhes oferecer alguma esperança", disse ele.
Palermo, capital da Sicília e a outra grande cidade do sul da Itália, revoltou-se contra a Máfia e voltou-se ao grupo esquerdista anti-Máfia, La Rete. Mas Nápoles não é a Sicília. A Camorra, embora seja assassina, não tem agido de maneira tão selvagem quanto a Máfia siciliana. Nápoles não tem qualquer grande indignação, não tem protestos, não tem heróis. Aqui, segundo Festa, "a política se casa com a necessidade".
"Há uma falta total de confiança em tudo e em todos", diz Maria Fortuna Incostante, a candidata de esquerda que concorre à cadeira de deputada com Alessandra Mussolini, neta do ditador fascista, no distrito eleitoral Nápoles-1, o centro decadente da cidade.
Nas eleições de novembro passado para a prefeitura da cidade o candidato esquerdista, Antonio Bassolini, derrotou Alessandra Mussolini por uma margem estreita, graças em grande parte aos votos dos trabalhadores no cinturão industrial napolitano. Mas desta vez parece provável que Nápoles –pelo menos a cidade propriamente dita– se volte à direita, escolhendo a Aliança Nacional, liderada pelos neofascistas, e a Forza Italia, de Silvio Berlusconi.
Um dos vitoriosos pode muito bem vir a ser Antonio Rastrelli, candidato da Aliança na zona eleitoral Nápoles-2. Alto e de aparência distinta, ele é descendente direto dos Rastrellis que construíram o Palácio de Inverno e boa parte de São Petersburgo para os czares e tem planos para fazer Nápoles voltar a ser o grande porto internacional que já foi.
A julgar pelos aplausos que recebeu de mulheres bem-vestidas e perfumadas no salão do elegante Círculo Artístico, em frente ao Palácio Real, ele deve se dar bem em Nápoles-2, onde vivem os napolitanos mais abastados.
Alessandra Mussolini, 31, que também é sobrinha de Sofia Loren, estrela adorada em Nápoles, sabe como atrair os eleitores nas vielas estreitas de Nápoles-1, com seus varais de roupa pendurados de um lado a outro das ruas. Com seus cabelos loiros, seus lábios cor-de-rosa sensuais e seu toque populista –ela admite que anda com um amuleto de boa sorte, como fazem incontáveis napolitanos–, "La Pupatella" (A Bonequinha) parece contar com a preferência dos contrabandistas e das vendedoras de peixe, na briga entre mulheres que a opõe à evidentemente mais inteligente, porém menos sedutora, Incostante.
Uma terceira candidata em Nápoles-1 é Dacia Valent, 31, filha de um diplomata italiano e uma princesa somali, ex-policial e primeira deputada negra do Parlamento Europeu. Concorrendo por um grupo heterogêneo de esquerda, suas chances de ganhar são praticamente nulas.
A popularidade da Forza Italia está aumentando rapidamente. As acusações de corrupção e fraudes contábeis feitas contra o irmão de Silvio Berlusconi, Paolo, e altos executivos de suas empresas, evidentemente não prejudicaram a aliança direitista em Nápoles. "Todo mundo sabe que para dar certo nos negócios é preciso fazer acordos e concessões", disse Salvatore Capobianca, oftalmologista e chefe de um dos clubes da Forza Italia. Os velhos hábitos custam a morrer em Nápoles.
Tradução de Clara Allain

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