São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Confissões de "arrependidos" saem caro para Estado italiano

RICARDO SETYON
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE ROMA

As despesas do governo italiano, que se debate com uma séria crise financeira, cresceram ainda mais graças a um agravante "exclusivo" do país: os inúmeros pagamentos mensais aos ex-mafiosos "arrependidos".
A história, que se perdeu nas entranhas das dezenas de escândalos italianas, nasceu de uma inocente conversa que o mais famoso "pentito di Mafia" (arrependido da Máfia), Tommaso Buscetta, manteve com um outro ex-mafioso em uma viagem ao tribunal. Como uma das supertestemunhas dos processos mafiosos, Buscetta contava a que ponto chegara na sua relação com os tribunais e as forças da ordem, que mantinham dezenas de ex-mafiosos, o que tornara fácil aumentar sua renda.
O plano de proteção governamental, nada mais do que um contrato entre o "pentito" e a Justiça, oferece ao ex-mafioso uma nova identidade –e uma conta bancária com o nome falso. Os familiares recebem as mesmas condições, colocando os filhos em escolas particulares. As despesas de habitação vão acompanhadas de uma "ajuda de custo" mensal que beira os US$ 1.400. Mas, devido a um desentendimento entre o tribunal e o parceiro de conversas do mafioso preso há dez anos no Brasil, os italianos passaram a saber quanto o Estado gasta com as confissões.
Foi o ex-mafioso siciliano Salvatore Caruso, 38, companheiro de Buscetta, que revelou ao tribunal de Gênova que recebia cerca de US$ 600 mensais e afirmou que tal pagamento não era suficiente. Ameaçou com o silêncio –que não mais falaria aos juízes, suspendendo uma série de testemunhos que já levara 12 mafiosos à prisão. Com a ameaça veio a contraproposta do tribunal: ao invés de US$ 600 mensais, Caruso passará a receber cerca de US$ 2.500.
Caruso, que vive agora num flat de luxo em Roma, justificou sua ameaça de silêncio: "Após saber o quanto Buscetta e outros superprisioneiros ganham pelas suas informações, decidi dar mais valor às minhas". O próprio Buscetta declarou que "basta saber coordenar as informações para conseguir um preço justo por elas".
Buscetta seria o mais bem pago de todos os "arrependidos", recebendo atualmente, além de todas as regalias e despesas, nada menos do que US$ 12 mil por mês.

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