São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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Refugiados geram polêmica na Flórida

DEBORAH SHARP
DO "USA TODAY"

O novo fluxo de refugiados para os Estados Unidos, apesar de não ser tão intenso quanto as "pontes marítimas" que levaram 100 mil cubanos ao país na década de 80, tem seu lado dramático: o contrabando humano. Um capitão de navio acusado de envolvimento num esquema que resultou na morte de quatro haitianos enfrentou um tribunal este mês.
Para piorar, o Estado da Flórida, dividido entre a preocupação com os refugiados e a dificuldade em encontrar dinheiro para pagar por sua saúde, educação e bem-estar social, já assinalou que pretende adotar uma posição mais dura.
O governador Lawton Chiles pretende processar o governo federal para obrigá-lo a assumir sua parte do custo dos imigrantes, estimado em US$ 2 bilhões por ano. "A Flórida está sendo o primeiro Estado a tomar medidas legais", diz Dag Ryen, do Conselho de Governos Estaduais.
Em segundo lugar, o departamento responsável pelo bem-estar infantil diz que está farto de financiar refugiados. O departamento quer negar-se a fornecer cuidados de adoção temporária a um punhado de menores sem documentos, entre os quais um menino de 15 anos que veio à Flórida sozinho, de barco, depois que seu pai e irmão foram assassinados pelos militares no Haiti.
O advogado Chris Zawisza, cuja entidade Miami Legal Services está representando o garoto, diz: "Eles estão optando por fechar a porta, começando pelas pessoas mais vulneráveis: crianças que não têm pais".
Com um orçamento anual de US$ 126 milhões para cuidados de adoção temporária, a qualidade de vida para as 9.000 crianças cobertas pelo programa já está péssima, segundo uma autoridade estadual. "O problema não está diminuindo. A verdade é que hoje Haiti e Cuba estão mais instáveis do que um ano atrás. Quem vai pagar o preço por isso? A Flórida". Zawisza, cujos avós poloneses migraram para os EUA quando eram adolescentes, está recorrendo contra a posição adotada pelo Estado em relação à adoção temporária: "Foram os imigrantes que fizeram este país. Agora, duas gerações mais tarde, estamos dizendo 'Nós conseguimos, mas eles não têm o mesmo direito"'.
São cada vez mais frequentes os casos de haitianos que chegam através de redes de contrabando humano. Eles são apanhados nas Bahamas, obrigados a pagar até US$ 2.000 por família e depois largados, muitas vezes sob ameaça armada, nas praias da Flórida. Em Boynton Beach, Flórida, o capitão de navio Richard Bennett Barker, 43 anos, enfrenta uma possível sentença de até 140 anos de prisão se for considerado culpado da acusação federal de contrabando humano. Barker teria forçado 27 haitianos a pularem de seu barco, de dez metros, perto do litoral de Stewart, Flórida.
Para o imigrante haitiano Blaise Augustin, cada novo caso de afogamento desperta uma dor antiga. Em 1979, ele mesmo pagou US$ 1.000 a um contrabandista humano para ser levado à Flórida. O capitão puxou uma arma e obrigou Augustin e 23 outros a pularem na água, de cinco metros de profundidade. Sete deles se afogaram. "Quando encontraram as crianças, elas já estavam mortas", lembra Augustin.
Dezenas de refugiados haitianos morreram afogados nos últimos meses. Quando o barco de um contrabandista virou no mar das Bahamas, no dia 19 de fevereiro, até 34 haitianos que se dirigiam à Flórida morreram.
Augustin, de 39 anos, trabalha 12 horas por dia, sete dias por semana. Além de oferecer aconselhamento no Centro Catolico Haitiano de St. Joseph, em Pomona Beach, Flórida, ele comprou sua própria loja de conveniência e colocou seus três filhos em escolas particulares.

Tradução de Clara Allain

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