São Paulo, domingo, 20 de março de 1994
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'Acusado em NY é inocente', diz família

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", EM BEIRUTE

A família Baz passa e repassa em sua velha TV a fita da prisão de seu filho. Rashid Baz é arrastado por três policiais em meio à neve de Nova York. Antes de ser empurrado para o banco traseiro de um carro de polícia, ele ergue a cabeça e dá um leve sorriso.
Suheila, a mãe de Rashid, cobre os olhos com as mãos. Dois jordanianos são empurrados para outro carro, as cabeças baixas. A câmera passa para uma limusine azul, da qual se afirma que Rashid Baz abriu fogo contra um furgão cheio de judeus ortodoxos, perto da ponte de Brooklyn. Depois, um estudante judeu, gravemente ferido, é levado numa maca até uma ambulância. Em Beirute a família Baz assiste em silêncio, fazendo gestos de incompreensão com as cabeças.
Eles sabem que Rashid é acusado pela tentativa de assassinato de 15 judeus ortodoxos que atravessavam a ponte no dia 1º de março. Ele teria disparado contra o furgão e ferido quatro estudantes. Um deles morreu depois no hospital.
A família Baz também sabe que a imprensa dos EUA está retratando seu filho como um demônio. A TV ABC disse que ele era seguido havia dois anos pelo serviço secreto israelense. O }New York Daily News afirmou que ele integrava uma rede de narcotráfico vinculada à Hizbollah, guerrilha libanesa pró-Irã. Uma agência de notícias referiu-se a ele como um }terrorista fundamentalista que tentara vingar os palestinos massacrados quatro dias antes por um colono israelense em Hebron. Tudo isso antes de qualquer julgamento.
}Não sou pai de um terrorista, insiste Najib Baz. }Estão dizendo que Rashid é 'fundamentalista islâmico'. Mas isso não pode ser verdade. Somos drusos. Rashid nunca entrou numa mesquita em sua vida. Ele gosta de garotas, carros e esportes. Eu o mandei à faculdade nos EUA para que as milícias não o fizessem lutar na guerra aqui. Ele ia receber passaporte americano em poucos meses.
É verdade que Rashid é druso –derivação secular do Islã que não tem mesquitas, imãs ou qualquer facção fundamentalista. A família telefona para parentes nos EUA, para tentar descobrir a verdade sobre o homem de 28 anos que aparece no vídeo. Eles nunca haviam ouvido falar em Mohamed Hilal e Bassam Reyati, os jordanianos acusados. E ficam nervosos ao admitir que a mãe de Rashid, que chora no sofá, é palestina –cientes de que a simples palavra }palestino pode ser usada para atribuir culpa a seu filho.
}Quando me casei, virei drusa, diz Suheila. }No Oriente Médio é assim –a mulher se torna o que o marido é. Rashid foi criado como druso. Ele se sentia sobre o Oriente Médio como qualquer árabe, mas não se ligava em política.
Segundo Bashir, tio de Rashid, este passou grande parte dos seus dez anos em Nova York na casa de seu tio materno, Jamal, um palestino que, segundo rumores que correm em Beirute, teria sido agente da inteligência da OLP durante a invasão israelense do Líbano, em 1982. Akram Shayeb, ex-membro da milícia drusa, diz que o rapaz mais tarde combateu com as forças do Partido Socialista Progressista. Najib Baz nega.
Rashid chegou aos EUA em 1984 e estudou engenharia na Rockwell College. Telefonava aos pais a cada duas ou três semanas, pedindo para voltar. Mas quando seu tio Bashir foi visitá-lo, dois anos depois, ele já se acostumara a viver na casa de Jamal e havia feito amigos norte-americanos e árabes. }Ele disse que também tinha amigos judeus, diz Najib.
Rashid passou férias no Líbano em 1991 e 92. A família mostra fotos de um jovem sorridente, sentado com a irmã à beira da piscina do Hotel Summerland, em Beirute, e jantando no caro restaurante Nasr. Parece feliz, um típico libanês que pretende voltar a seu país para abrir um supermercado.
Mas dúvidas persistem. Será que Rashid, apesar de druso, foi afetado pela notícia da chacina de Hebron? E por que ele sorriu quando era levado ao carro da polícia? Tentava mostrar inocência -ou orgulho por uma proeza terrível?

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