São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cardeal quer continuar trabalho em prisões

PAULO MOTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

Tomado na semana passada como refém por 14 presos do Instituto Penal Paulo Sarasate, em Eusébio (CE), na Grande Fortaleza, o cardeal arcebispo dom Aloísio Lorscheider, 69, ex-presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) enfrentou 18 horas de ameaças de morte até ser libertado no interior do Ceará. Ainda em recuperação, ele respondeu a perguntas por escrito entregues pela Folha, nas quais defende o trabalho pastoral nos presídios como uma ação cristã e a atitude do governador Ciro Gomes (PSDB), que entregou armas aos presos.
*
Folha - Qual a reflexão que o sr. faz sobre o episódio ocorrido no instituto penal?
Dom Aloísio Lorscheider - Torna-se cada vez mais imperiosa a mudança do modo de tratar os presos e reintegrá-los na sociedade. Tudo o que aconteceu é eco da violência que os presidiários costumam sofrer em nossos presídios. Isto aguça-lhes mais ainda o sentido e a ânsia da liberdade. Foi um gesto de desespero.
Folha - O que o sr. acha de o governador Ciro Gomes ter dado armas para os fugitivos?
Lorscheider - O fornecimento de algumas armas foi exigência sine qua non deles para respeitar a vida dos reféns. Se o governador não tivesse cedido, todos nós reféns teríamos sido mortos e eles mesmos teriam se suicidado. As pressões eram fortes para que o governador mandasse a polícia simplesmente invadir e salve-se quem puder. Teria sido certamente o pior. De dois males, o governador escolheu o menor e o mais conforme aos autênticos sentimentos humanos e cristãos.
Folha - O sr. concorda com aqueles que dizem que o episódio serviu para mostrar que o trabalho pastoral junto a presidiários deve ser abandonado?
Lorscheider - Impossível concordar. Não continuar com este trabalho iria se constituir em covardia sem nome. Por tão pouco ninguém deve se assustar. E mesmo que fosse maior o drama vivido, jamais a pastoral poderia fugir. O bom pastor dá a sua vida por suas ovelhas. Não lhe é permitido seguir o exemplo do mercenário que foge quando vê o lobo vir. Também seria uma negação do Evangelho: "Estive preso e não me visitastes...".
Folha - Os defensores da pena de morte analisam que o episódio do presídio reforça a tese deles.
Lorscheider - Considero argumentação furada. Não vejo a mínima razão para aplicar a pena de morte. Que se puna, isto sim, mas sem usar violência nem humilhar quem cometeu delito. O mal é a impunidade. No Brasil não necessitamos a pena de morte, mas sim que se apliquem penas previstas no Código Penal e sejam aplicadas a todos, não só aos pobres.
Folha - O sr. acha que a revisão constitucional deve continuar?
Lorscheider - Como está, não deve continuar. Nem deve continuar com o Congresso que aí está. Necessitamos de pessoas mais sérias e mais amantes da pátria e do povo brasileiro. Se nem fizeram as leis complementares previstas pela Constituição, com que direito querem agora fazer uma revisão que está sendo a formulação de uma nova Constituição? Eles não possuem poder constituinte. Digo com sinceridade que vejo a revisão como algo furado.
Folha - Como o sr. vê a credibilidade da Câmara depois da CPI do Orçamento?
Lorscheider - Apesar da CPI, ficou-se apenas nisso. Nenhum culpado sofreu algo. Não houve quem até agora tivesse que restituir o que roubou da nação. E além do mais, a CPI parou no meio do caminho. Onde fica a CPI das empreiteiras e de outras instituições que estão comprometidos com as pessoas do Congresso que foram desonestas?
Folha - Como o sr. vê a proposta de se estabelecer direitos, entre eles o de herança, para homossexuais?
Lorscheider - O homossexualismo normalmente é uma doença. Não é algo natural. Deve se ter muita compreensão para com eles como para qualquer pessoa doente, mas não se pode conceder a eles direitos que contradizem toda a estrutura do ser humano.

Texto Anterior: Monopólios geram debate sobre ética
Próximo Texto: Cientista quer pendurar telescópio em balão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.