São Paulo, segunda-feira, 21 de março de 1994
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Mil fatores favorecem o cineasta mais bem-sucedido de todos os tempos

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Se os deuses não enlouquecerem, "A Lista de Schindler" deverá fazer barba, cabelo, bigode, unha e cutícula na festa de logo mais. O épico de Spielberg é pule de dez como há muito não se via. Mil fatores o favorecem, inclusive a crença de que finalmente chegou a vez de Hollywood reconhecer sua dívida com o mais bem-sucedido cineasta de todos os tempos. Claro que se os deuses fossem justos, "Short Cuts – Cenas da Vida" estaria entre os finalistas ao Oscar de melhor filme. E se eles fossem coerentes, Andy Davis, artífice de "O Fugitivo", estaria entre os candidatos a melhor diretor.
Além de injustos e incoerentes, os deuses têm memória fraca. "Muito Barulho Por Nada", incensado à beça na estréia, acabou solenemente esquecido na hora das indicações. "A Época da Inocência" foi outro que morreu na praia. Aliás, se houvesse Oscar para melhor baixela, bufê e créditos (do genial Saul Bass), o filme de Scorsese levaria todas as estatuetas a que concorrem as fidalguias de "Vestígios do Dia".
Ao contrário do que alguns pensam, "A Lista de Schindler" não bateu um recorde. Muitos filmes já concorreram a 12 Oscars, sendo que "A Um Passo da Eternidade" entrou na liça com 13 indicações. O recorde, na especialidade, continua sendo de "A Malvada", com 14. Dificilmente também deverá superar outro recordista, "Ben-Hur", que só perdeu um dos 12 Oscars a que concorria.
Prudente, Spielberg tem se comportado como se fosse um azarão. Nao é. Mas também não o era em 1986, quando "A Cor Púrpura" ficou com apenas uma das 11 estatuetas que disputava. Tão ou mais escaldado do que ele, só mesmo Warren Beatty, cujo "Reds" concorreu a 12 prêmios e levou três, malogro repisado há dois anos, quando "Bugsy" perdeu oito dos 10 Oscars em sua mira. De qualquer modo, é de se esperar que "A Lista de Schindler" repita, no mínimo, a performance de "Minha Bela Dama" (My Fair Lady), que conquistou oito das 12 estatuetas a que tinha direito.
Em termos de bilheteria, "A Lista de Schindler" foi o filme que mais se beneficiou com as indicações para o Oscar, seguido de "Em Nome do Pai", em começo de carreira quando a relação dos finalistas foi divulgada. Os demais concorrentes já haviam praticamente esgotado suas potencialidades quando a corrida ao Oscar teve início. A Warner ainda correu atrás de mais grana, forçando a expansão do circuito de "O Fugitivo" no mercado americano –a Miramax fez a mesma coisa, em escala mais modesta, com "O Piano"– mas a Columbia teve de se contentar com os dividendos internacionais de "Vestígios do Dia".
Aparentemente, todos se deram bem. Um filme indicado para o Oscar costuma faturar mais US$ 10 milhões nos EUA entre a divulgação dos finalistas e a noite da premiação. Em casos excepcionais, como "A Lista de Schindler", ainda fresquinho no mercado, o faturamento extra é imprevisível. Mesmo sem levar os Oscars previsíveis, o filme de Spielberg não perderá o seu embalo comercial, a esta altura irreversível.
Robert Altman, como se sabe, leva pouca chance na noite de hoje. Tornou-se um diretor maldito, anti-hollywoodiano, e só por masoquismo a indústria lhe entregaria o seu mais prestigioso galardão. Deram-lhe um prêmio de consolação, absurdo, na medida em que "Short Cuts" não figura entre os filmes laureáveis e sua inclusão ao lado de Spielberg, Jim Sheridan, Jane Campion e James Ivory provocou a exclusão de Andy Davis.
Segundo Peter Bart, analista do "Variety", Davis sobrou porque, apesar do sucesso comercial de "O Fugitivo", Hollywood anda meio ressabiada com filmes de ação e tenciona aposentar o gênero por uns tempos. Ao menos no mercado interno, eles já não despertam os mesmos "frissons" de antigamente. "O Último Grande Herói" foi um desastre, "O Demolidor" derrapou feio e a refilmagem de "Os Implacáveis" (The Getaway) promete render bem menos que a versão original de Sam Peckinpah.
Em 1973, ano do primeiro "The Getaway", quase a metade dos 50 maiores sucessos de bilheteria do cinema americano eram filmes de ação. Na temporada passada, esse percentual despencou para 18%. Os americanos já estão se cansando de Stallone, Schwarzenegger & cia, mas não é só de músculos, porradas gratuitas e efeitos especiais que vive o filme de ação. Também nele pode haver vida inteligente. "O Fugitivo" é uma prova disso.

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