São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 1994
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A grande virada da CUT

LUÍS NASSIF

Em maio poderá ocorrer o fato político mais relevante dos últimos anos com a provável eleição de Vicentinho para a presidência da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Há diferenças fundamentais entre Vicentinho e o atual presidente Jair Meneguelli. Em sua carreira sindical, Meneguelli recebeu todos os cargos de mão beijada. Lula lhe deu a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a própria CUT e uma estrutura consolidada nas lutas marcantes de fins dos anos 70.
Vicentinho, ao contrário, chegou mais tarde e conquistou seu espaço por méritos próprios, graças a uma extraordinária capacidade de aprendizado e de negociação política.
Meneguelli move-se exclusivamente em torno de clichês simplórios. Todo empresário é explorador, toda lei salarial é arrochante, todo adversário político é picareta, todo acordo com o patrão é espúrio.
A obsessão pelos clichês é tão forte que, para ele, carranca é símbolo da fortaleza do trabalhador e o sorriso, prova do caráter fraco da burguesia.
Nos seus primeiros anos de atividade política, Vicentinho era frequentemente admoestado por Meneguelli por seu hábito –trazido do interior do Rio Grande do Norte– de sorrir e cumprimentar todo ser movente que encontrasse pela frente.
Meneguelli faz parte de uma elite sindical arrogante, gerada nos anos do milagre. Vicentinho é representante de um sindicalismo empobrecido e por isso solidário, filho dos anos 80.
Construção
Nos anos 70, a agressividade era elemento fundamental na conquista de espaço político, por parte dos metalúrgicos. Conquistado o espaço, os anos 90 exigiam competência para transformar a CUT em elemento relevante na definição das grandes políticas para o setor. Meneguelli continuou agressivo e monocórdio, sendo responsável pela ausência da CUT numa fase crucial para a definição do perfil industrial brasileiro –e, portanto, da estrutura de emprego e salários.
Já a abertura de Vicentinho em relação a pessoas e sua inteligência aguda acabaram revolucionando o sindicalismo brasileiro. Ao trocar a negação por propostas objetivas, tornou-se elemento fundamental para a sobrevivência do próprio parque industrial brasileiro –ao garantir o sucesso da Câmara Setorial da Indústria Automobilística, que praticamente salvou o setor da extinção.
Faltam informações a Vicentinho. Especialmente em relação ao papel do Estado, à estrutura das estatais, à maneira de se exercer controle social sobre empresas públicas, através do mercado de capitais.
Mas, pelo menos, haverá a garantia de que a CUT estará em mãos de pessoas de boa vontade, sem medo de entender o desconhecido e com suficiente grandeza para perceber que trabalhadores e empresários, jornalistas e políticos, todos com mais ou menos defeitos, são sócios e construtores desse grande projeto chamado Brasil.
Gatos e falcões
Em seu artigo "Gatos com luvas não caçam ratos", publicado na Folha de ontem, dentro do mote genérico "ser radical é..." o jornalista Rui Falcão (ideólogo da Executiva do PT) recorre a malabarismos mentais curiosos.
Acusado de radical, modestamente ele busca um álibi em Betinho –que também é um radical em sua proposta de combate à miséria. Como se fossem da mesma natureza o trabalho de Betinho e o radicalismo estéril de uma Executiva que atua pensando exclusivamente em seu próprio umbigo. Para recorrer a uma figura cara às esquerdas, radical por radical, Amaral Netto também é. E daí?
Falcão sustenta que o PT "nunca aderiu ao monolitismo partidário ou ao caciquismo político". O que ele não quer é transformar o PT em "um partido frágil e dividido", resultando "em uma campanha e um governo fracos".
É a mesma lógica da ideologia da segurança nacional. Cala-se qualquer dissidência, a fim de garantir "a planta frágil da democracia". Magnânimo, garante que "o PT é amplo, a ponto de integrar militantes e filiados que atacam sua direção e suas resoluções democráticas". Se tivesse poder para tanto, já teria degolado todos os dissidentes.
Durante a campanha Falcão e seus amigos vão continuar sendo a prova viva, para todo adversário que quiser ressaltar o sectarismo e a incapacidade de pensar grande do partido.

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