São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 1994
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Entrevistas inéditas revivem obra de Buñuel

CÁSSIO STARLING CARLOS
DA REDAÇÃO

Quando o cineasta François Truffaut decidiu entrevistar Hitchcock exaustivamente a fim de publicar um livro capaz de esclarecer os detalhes de sua obra, os cinéfilos ganharam uma nova maneira de ter acesso às idéias de alguns de seus ídolos. Depois, a fórmula foi aplicada a artistas enigmáticos como o sueco Ingmar Bergman e o espanhol Luis Buñuel. Sob os cuidados de dois críticos mexicanos –Tomás Pérez Turrent e José de la Colina– o livro de entrevistas com Buñuel (1900-1983) foi editado, no final de 93, na Espanha, na França e na Itália.
Publicado no México em 86, só no ano passado o livro foi lançado com o merecido destaque na Europa. Mesmo sem alcançar o deleite do diálogo que Truffaut obteve em "Hitchcock/Truffaut - Entrevistas" (ed. Brasiliense, esgotado), Turrent e Colina souberam deixar seu interlocutor suficientemente à vontade para satisfazer a sede de curiosidade do leitor. Boa parte das informações já estava disponível em "Meu Último Suspiro" (ed. Nova Fronteira), autobiografia que Buñuel escreveu em 1981 em parceria com Jean-Claude Carrière. Mas aqui, o controle menor do entrevistado garantiu um maior aprofundamento nos detalhes.
Buñuel, avesso a entrevistas, aceitou a proposta dos dois críticos com um argumento prático: "Não creio que terá algum resultado, mas tentemos. Se o livro der certo, não serei mais obrigado a conceder nenhuma entrevista e remeterei ao livro todos aqueles que vierem me pedir".
Espanha, surrealismo, pornografia, Salvador Dalí, censura, e tantos outros temas, permeiam os comentários que o cineasta faz de seu trabalho no depoimento aos críticos. O controle das filmagens através do uso do vídeo, por exemplo, já era feito por Buñuel em 1972, quando fez "O Discreto Charme da Burguesia", bem antes de Coppola transformá-lo em moda com "O Fundo do Coração".
O melhor está nos pensamentos que desenvolve, que permitem compreender em profundidade alguns aspectos de sua obra. O suposto simbolismo frequente em seus filmes é menosprezado pelo artista, que o considera delírio dos críticos. Para Buñuel, não há simbolismo, mas ambiguidade. O que parece incompreensível satisfaz seu propósito, que é inquietar as crenças ordenadas do espectador.
Esta mesma atração pelo insólito está presente na criação dos títulos de seus filmes: "Um Cão Andaluz", "O Anjo Exterminador", "O Fantasma da Liberdade". "O título pode dar uma riqueza ao filme, estimular a imaginação. Os pintores surrealistas davam a seus quadros títulos que não lhes correspondiam. O quadro adquiria então um novo significado, que é estranho, mas não necessariamente arbitrário. No meu caso, se o título se impôs repentinamente a meu espírito, eu o considero imediatamente adequado. Ao contrário, um título mais racional ou deliberado pode me parecer demasiado literal ou explicativo; neste caso, eu o rejeito", declara Buñuel.
Todo o mistério da vida e da criação derivam do acaso, crê Buñuel. Por isso, os eventos inexplicáveis, capazes de encerrar os convidados para uma "soirée" por um tempo indefinido numa sala, como em "O Anjo Exterminador", ou de impedir um grupo de burgueses de se alimentar, como em "O Discreto Charme da Burguesia", assumem um aspecto natural em seus filmes.
O surreal não é uma deturpação do sentido habitual dos acontecimentos; este é que se torna menos determinado e adquire outros aspectos, inusitados.
Não há decifração de enigmas ou de símbolos nos diálogos do cineasta com Turrent e Colina. O exaustivo esforço de indagação conduz à elucidação das opções estéticas do diretor e de suas intenções ao fazer cinema, não do significado, da "verdade" de suas narrativas. Contra a tentação da inteligibilidade absoluta, Buñuel erigiu sua monumental obra. Seu projeto reflete uma de suas mais vigorosas opiniões: "Aqueles que se esforçam em buscar a verdade me são simpáticos; eu não concordo com aqueles que falam como se a tivessem encontrado".

Livro: Buñuel por Buñuel (edição espanhola); Conversations Avec Luis Buñuel (edição francesa); Buñuel per Buñuel (edição italiana)
Onde encomendar: Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel 011/285-4033); Livraria Francesa (r. Barão de Itapetininga, 275, tel. 011/231-4555); Livraria Italiana (av. São Luiz, 192, loja 18, tel. 011/259-8915); Livraria Letraviva (av. Rebouças, 2.080, tel. 011/280-7832)

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