São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 1994
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O Oskar

Esquecimento. Esta palavra, tão ameaçadora quanto recorrente, não raro traz consequências terríveis. Foi apenas para não esquecer que o homem deu-se à tarefa de inventar a escrita. E quanto trabalho a humanidade já não perdeu apenas porque alguém esqueceu-se de um pequeno detalhe? Mais grave, contudo, é quando o que se está esquecendo não é exatamente um detalhe: o bárbaro assassinato de pelo menos 6 milhões de pessoas.
Nesse sentido, a premiação do filme "A Lista de Schindler", de Steven Spielberg, com sete Oscars, incluindo o de melhor filme, vem em boa hora. Afinal, o mundo vive hoje um momento bastante delicado. Assiste, de um lado, ao recrudescimento do neonazismo e surgem mesmo pretensos intelectuais que inventam mirabolantes teorias segundo as quais todo o horror de Auschwitz não teria passado de invencionice para denegrir a imagem de Adolf Hitler e seus sequazes. De outro lado, ocorre nos Bálcãs, no coração da Europa, uma guerra civil que repete algumas das barbaridades perpetradas pela sanha nazista. Quase 50 anos depois, a humanidade volta a ler e ouvir palavras sinistras como "campo de concentração" e "limpeza étnica".
A fita de Spielberg, em que pese uma certa dose de pieguice –de resto, quase inevitável em Hollywood–, mostra com realismo e uma plasticidade tocante alguns dos crimes cometidos pela maior aberração política da história da humanidade. É impossível ficar indiferente à história de Oskar Schindler, um empresário inescrupuloso alemão, que, aproveitando-se da guerra, "contrata" mão-de-obra escrava judia para sua fábrica. Aos poucos, quase imperceptivelmente, o empresário vai-se identificando com suas vítimas e passa a ajudá-las, mesmo arriscando a própria vida.
Independentemente dos méritos cinematográficos da fita –que é boa–, o campeão de bilheteria Spielberg tira o esquecimento do horizonte dos milhões que assistirem ao filme. E isso é bom. Afinal, aqueles que não conhecem sua história estão fadados a repeti-la.

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