São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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Médicos defendem a mamografia em mulheres com menos de 50 anos

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Se você é mulher e tem entre 40 e 50 anos, não deixe de fazer as mamografias que seu ginecologista pede a cada ano e meio ou dois. Caso tenha lido ou ouvido algo sobre ineficiência desse exame radiológico em sua faixa etária, esqueça –este é o conselho de dois especialistas para quem não quer correr riscos com o câncer de mama, que provocou 1.842 mortes no Estado de São Paulo em 1991.
A notícia –criticada pelos médicos Antonio Franco Montoro, presidente da Fundação Oncocentro de São Paulo, e José Aristodemo Pinotti, professor-titular de ginecologia da Faculdade de Medicina da USP– partiu do respeitável Instituto Nacional do Câncer (NCI) dos EUA. O NCI deixou de recomendar a realização em massa do exame de raios X no seio para detectar cânceres em estágio inicial nas mulheres com menos de 50 anos, porque ele se mostrou menos eficaz do que a apalpação.
A última pesquisa em apoio à tese foi divulgada há uma semana na Holanda. Petronella Peer, da Universidade de Nijmegen, reuniu dados de 40 mil mulheres e descobriu que o teste detectava 50% dos cânceres nas mulheres com mais de 50 e só 37% abaixo disso. Entre as mais jovens foram detectados mais casos pela apalpação.
Concluir daí que se deve contra-indicar o exame abaixo dos 50 é "absolutamente absurdo", na opinião de Pinotti, 59. A dose de radiação que a mulher recebe no exame é mínima e não haveria comprovação científica de que possa aumentar o risco de câncer.
Para Montoro, 65, o problema é de interpretação: "A pesquisa se refere a estudo em massa e é só neste caso que se deve restringir o exame a mais de 50. Ela deixa de ser eficiente do ponto de vista econômico". Fazer a mamografia nessa faixa etária sai caro e não compensa, pois acrescenta poucos casos aos verificados pela apalpação.
Montoro diz que essa conclusão já é conhecida dos médicos desde março de 93, pelo menos, quando resultados do NCI foram divulgados em um congresso em Paris. Segundo ele, que realiza de 10 a 15 mamografias por dia, ela não se aplica ao Brasil –"que não tem nem pode ter" um programa de massa. A Holanda usou o exame em todas as mulheres entre 50 e 70 e reduziu em 30% a mortalidade.
Para Montoro, câncer de mama é doença de país desenvolvido e câncer de colo do útero é doença de pobre. "Tem mais câncer de mama no Morumbi do que na Vila Mangalô." Depende do "estilo de vida", diz Pinotti: os fatores de risco são ter menos filhos e em idade mais avançada, não amamentar, obesidade e vida urbana.
Pinotti estima que o chamado risco de toda a vida ("lifetime risk", a chance de uma mulher ter um tumor no seio se viver até os 85) no país deve ser de 1 para 20. Nos EUA, é de 1 para 9. Mas o tumor, em geral, só é constatado nas brasileiras quando já tem 5 cm de diâmetro (estágio clínico 3), o que exige a retirada completa da mama (veja quadro). Com a mamografia, consegue-se detectar o tumor com menos de 1 cm (estágio 1) ou até seus precursores, as microcalcificações agrupadas (fase pré-clínica). Nestes dois casos, a cirurgia seguida de quimioterapia obtém "cura" em quase todos os casos (não-reincidência em dez anos).
Segundo Pinotti, para fazer diagnósticos mais precoces e diminuir os óbitos no Brasil não é preciso nem recorrer à mamografia em massa. Bastaria usar as mãos dos médicos, enfermeiras e das próprias pacientes com mais assiduidade e eficiência. Ele lamenta que não exista um programa específico para essa doença "altamente prioritária" e cita o exemplo da morte materna (antes, durante ou logo depois do parto), que mata cinco vezes menos mulheres no Estado de São Paulo e tem um programa preventivo próprio.

Com agências internacionais

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