São Paulo, quinta-feira, 24 de março de 1994
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Senhores dos anéis

Diz-se que a inflação brasileira é um mal desnecessário, um vício do qual é urgente livrar-se. Ainda assim, há quem ganhe –e muito– com a crise. Em 1993 os bancos, segundo pesquisa da empresa de consultoria Austin Assis, tiveram desempenho extraordinário, acima da média de outros setores.
A pesquisa revela que os bancos em 1993 tiveram o maior lucro desde 1989, uma taxa de 14,28% sobre o patrimônio líquido, maior que os níveis observados no cenário internacional. Somado, o lucro líquido dos 106 bancos pesquisados atingiu US$ 1,7 bilhão, valor recorde sobre os US$ 1,59 bilhão de 1989.
1989 e 1993 guardam uma inquietante similaridade: foram anos de forte aceleração inflacionária. No último ano do governo Sarney chegou-se às raias da hiperinflação. Naquele contexto, surgiu o temor de que o governo desse um calote. E assim foi, com o Plano Collor. Às vésperas do confisco, o volume de títulos públicos no overnight chegava a US$ 25 bilhões. Hoje o movimento alcança US$ 22,8 bilhões. Novamente, às vésperas de mais uma disputa eleitoral decisiva.
O quadro dos bancos é ainda mais preocupante quando se constata que as operações com títulos da dívida pública representam agora 50% de suas receitas, contra "apenas" 29% em 1989. Essa situação é insustentável ao longo do tempo. Não há como esperar normalidade na economia enquanto os bancos, em vez de financiar a produção e o investimento, orbitarem em torno da dívida pública ascendente.
Resta saber, caso caia a inflação e sejam de fato saneadas as contas públicas, como sobreviverá um sistema bancário que ao longo de tantos anos operou à custa da ciranda alimentada pelo descontrole financeiro do setor público. Essa preocupação é especialmente válida para os bancos estatais, fontes de financiamento espúrio e sempre capazes, na hora do aperto, de pressionar politicamente o Banco Central.
Os bancos terão de redescobrir a economia real, escapando ao vício dos ganhos inflacionários. Enfrentar esse desafio, entretanto, parece mil vezes melhor do que apostar na perpetuação dos atuais desequilíbrios. Os lucros certamente não serão espetaculares, mas será crucial mais do que nunca ceder os anéis para não perder os dedos.

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