São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 1994
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Só um volante

SÍLVIO LANCELOTTI

SÍLVIO LANCELLOTTI
No departamento pessoal, eu nada tenho contra Ricardo Gomes, Mauro Silva e Carlos Dunga. De fato um líder, imponente rapagão, Ricardo Gomes é um bom modelo físico para o capitão da seleção do Brasil. De fato um estóico, Mauro Silva protege as retaguardas com determinação e muita firmeza. Enfim Dunga, de fato o dedicado de plantão, lhe faz escolta com a fidelidade de um mastim.
Ricardo Gomes, todavia, não tem os reflexos e a velocidade que o futebol moderno exige de um zagueiro obrigado a controlar o esquema em contra-ataques da maioria dos possíveis adversários do Brasil. Até que ele se vire e arranque, babau. Faltam-lhe a explosão muscular e o pique, por exemplo, de um Ronald Koeman ou de um Franco Baresi. Paralelamente, Mauro Silva não dispõe do talento para comandar os eventuais contra-ataques do Brasil. Um prisioneiro dos passes laterais, o seu jogo mais se agrava ao lado de Dunga, a majestade mundial do estilo bumbum-no-gramado.
Apesar da vitória do Brasil sobre a Argentina, um resultado no mínimo estimulante e animador, o esquema 4-4-2 da dupla da teimosia, Parreira & Zagalo, novamente se mostrou rígido em demasia, sem molejo e sem versatilidade, incapaz do improviso e da transformação. A mim irrita ver as camisas que já vestiram Orlando Peçanha, Zito e Didi entregues a meros xerifes, exclusivamente destinados à punição do alheio. E quando acontecer de o Brasil ficar atrás no marcador? Quem criará os instrumentos da reação? Não vejo esse destino com Ricardo Gomes, Mauro Silva e Dunga.
Diante da Argentina, aliás, o Brasil curiosamente se soltou, desafogou, desandou a respirar mais naturalmente, quando entraram Mozer no lugar de Ricardo Gomes e, depois, Mazinho na posição de Dunga. Mozer mereceu o tento que a excelente saída de Goycoechea lhe roubou. Mazinho originou com Muller o segundo gol de Bebeto, um leãozinho na selva da violência e da descompostura da Argentina. Perdoe-me ele, mas Dunga representa a antítese da liberdade que sempre caracterizou o futebol do Brasil. E eu ainda não pedi a aposentadoria de Branco por uma simplérrima razão: o lateral ostenta um perfil de coragem –coisa utilíssima numa Copa.
Quebrado o tabu da Argentina, a única rival que eu verdadeiramente temo, sempre, em qualquer plaga do universo, o Brasil multiplica os seus bons humores à espera do certame dos EUA. Os outros inimigos não me assustam. Vi o prélio em que a Holanda visitante bateu a Escócia, 1 a 0, graças a um chutão amalucado de Brian Roy. A Holanda, que já foi revolucionária, atualmente exibe um lentíssimo 3-5-2 em que só o superfogoso Frank Rijkaard utiliza alguma imaginação. Vi o teipe patético de Alemanha 2, Itália, 1 e juro que, diante de tais times, o Brasil pode tranquilamente se prevenir com um volante só –e que esse volante, sossegadamente, pode ser até o meninote Zé Elias.

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