São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Programa brasileiro imita erro dos EUA

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O nariz de um foguete é um lugar próprio para homenagens, como demonstrou o foguete americano Pegasus, que lançou no ano passado o primeiro satélite de fabricação brasileira. As primeiras fotos do foguete tinham o nome do "pai da aviação", Alberto Santos-Dumont, pintado no nariz. Como nunca faltaram homenagens a Santos-Dumont por brasileiros, o nome foi substituído depois por outro bem menos conhecido, mas que não deixa de ser uma espécie de pai da atividade espacial no país: "Brigadeiro Montenegro".
Casemiro Montenegro fez parte da primeiríssima turma de oito engenheiros aeronáuticos formados no Brasil, por um curso de especialização de dois anos na Escola Técnica do Exército, em 1940. Foi o primeiro diretor-técnico do Ministério da Aeronáutica, criado em 1941. No imediato pós-guerra Montenegro elaborou o plano para a criação do CTA (Centro Técnico da Aeronáutica, rebatizado Centro Técnico Aeroespacial em 1971).
A criação do CTA e do seu braço acadêmico, o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) foi possível graças a um acordo que Montenegro intermediou com um dos mais importantes centros de pesquisa do planeta, o MIT (Massachusetts Institute of Technology). Professores do MIT vieram ao país e educaram as primeiras gerações de recursos humanos que terminariam por fazer do Brasil um país fabricante e exportador de aviões, e também deram o impulso às atividades espaciais. Foi uma aposta estratégica da Aeronáutica.
O programa espacial brasileiro nunca teve recursos impressionantes, como o americano ou o soviético. Por isso, os passos foram cuidadosos. Uma síndrome comum à pesquisa aeroespacial é o exagero, vide o caso dos ônibus espaciais. Foram projetados para barater as idas ao espaço, fazendo algo como 50 vôos por ano, mas nunca passaram de dez, e a um custo muito superior ao imaginado.
O programa brasileiro começou com o mesmo erro que o americano: duplicação de esforços. Marinha, Exército e Força Aérea iniciaram programas de foguetes. Nos EUA, essa divisão de esforços contribuiu para os soviéticos se adiantarem e lançarem o Sputnik antes. No Brasil, não foi tão grave, pois eram pesquisas bem simples ainda, e em pouco tempo foram centralizadas na Força Aérea. Tratava-se de operar foguetes pequenos para sondagem meteorológica.
Os foguetes de sondagem servem para pesquisas em altitudes não alcançáveis por balões. Medir parâmetros variados na atmosfera têm valor em estudos meteorológicos ou para compreensão das variações regionais nas transmissões de ondas de rádio. São foguetes pequenos, que liberam partículas metalizadas no espaço para serem observadas por radar, possibilitando assim o estudo dos ventos.
No início da década de 60, a Marinha usava os foguetes Somma (Sondagem Meteorológica para a Marinha) e a FAB tinha os Somfa (Sondagem Meteorológica para a Força Aérea). A família mais importante surgiu em 1965, com o projeto do Sonda 1, feito no CTA. O Sonda 1 é o avô, bem distante, do futuro VLS (Veículo Lançador de Satélites).
Esse primeiro foguetinho de 54 kg teve mais de 200 lançamentos durante 12 anos, segundo o IAE (órgão do CTA criado como Instituto de Atividades Espaciais, desde 1991 chamado Instituto de Aeronáutica e Espaço).
O Sonda 1 foi seguido por irmãos cada vez maiores, à medida que se desenvolvia a tecnologia (veja ilustração abaixo).
O programa brasileiro deve ser comparado não ao americano ou russo, mas ao de um país do Terceiro Mundo, como o indiano, que hoje está bem à frente: já lançou satélites e até desenvolveu um míssil militar como subproduto. A Índia, porém, tem a rivalidade com o Paquistão como incentivo.
O destino do programa do Brasil está resumido em outra foto, do ex-presidente Collor. Em sua mesa, estavam maquetes de produtos da indústria nacional que costumam dar "status" a um país –um tanque, o Osório; um caça-bombardeiro, o AMX; e o foguete VLS. Collor andou de tanque, voou de caça e disse privilegiar a pesquisa espacial. Na prática, cortou verba de todos esses programas. (Ricardo Bonalume Neto)

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