São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Telecomunicação é o novo combustível

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A "conquista do espaço" deixou de ser uma iniciativa romântica, uma aventura comparável e comparada às grandes navegações iniciadas pelos portugueses, para ser mais um elemento a ser ponderado por corretores de bolsas de valores ou por cientistas ávidos por verbas de pesquisa. Nas primeiras duas décadas da corrida espacial, de 1957 a 1977, mais de 1.600 engenhos espaciais foram lançados. Mais dez anos, e os lançamentos de foguetes tinham quase chegado a 3.000.
Em 1989 uma sonda espacial foi lançada com destino a Vênus pelos EUA. Seu nome era uma homenagem ao navegador português Fernão de Magalhães, o primeiro a tentar a circunavegação da Terra. A "Magellan" começou a transmitir imagens venusianas em agosto de 1990 e foi um sucesso. Ficou meses em órbita do planeta vizinho e conseguiu informações científicas valiosas.
Por trás dessa sonda, que homenageia o bravo navegador português, morto em combate antes de terminar seu périplo, estão poderosas indústrias aeroespaciais e de eletrônica.
O mesmo "know-how" que fez a ciência penetrar as eternas nuvens de Vênus permite comunicações instantâneas, socorro a náufragos, previsão de tempo, análise de colheitas agrícolas, navegação precisa, espionagem, ou o passeio por alguns dias em volta da Terra, como fazem os americanos nos ônibus espaciais, ou a permanência em órbita por meses a fio em estações espaciais, como fazem os russos.
Fernão de Magalhães e outros navegadores arriscavam a vida em caravelas muito mais perigosas que os ônibus espaciais, apesar de a explosão do Challenger em janeiro de 1986 parecer desmentir a tese. As naves soviéticas e americanas dos começos da corrida eram ainda menos seguras.
Apesar de algumas mortes, as viagens tripuladas ao espaço são principalmente um exercício de relações públicas. Os americanos já mandaram um senador republicano, um sultão saudita e uma professora ao espaço (a professora explodiu junto com o Challenger). Politicamente corretos, os americanos também colocaram em órbita astronautas negros, mulheres e latino-americanos.
Os então soviéticos faziam propaganda com os países satélites, levando até suas estações espaciais cosmonautas da Bulgária, Hungria, Mongólia, Polônia, Cuba etc. Em 1987-88, dois cosmonautas russos, Vladimir Titov e Musa Manarov ficaram mais de um ano em órbita, 366 dias. Os cosmonautas tinham no regime comunista regalias semelhantes às de outros heróis "proletários", como bailarinas e atletas.
No mundo capitalista, o espaço começou a ser reconhecido como um negócio atraente com as telecomunicações. Foi surpreendentemente rápido. Os soviéticos iniciaram a corrida em 1957 lançando um satélite, o Spunik 1, uma simples esfera de alumínio de 58 cm de diâmetro e peso de 83 kg com instrumentos para transmitir dados sobre raios cósmicos, densidade e temperatura da atmosfera. Mas já em 1960 os EUA enviavam um satélite com potencial mais comercial que científico, o Echo 1. Trata-se de um balão plástico aluminizado de 30 metros de diâmetro que servia para refletir sinais de rádio passivamente.
Hoje existem mais de cem satélites "ativos" de comunicação, que têm antenas e equipamento para receber e transmitir dados. Bem menos lembrado que o simbólico Spunik, o Telstar 1, lançado em 1962, ja pertencia a uma empresa privada, a AT&T, e era capaz de transmitir imagens de TV entre os EUA, Europa e Japão. Em 1964 era criado o consórcio Intelsat (International Telecommunications Satellite Organization), que tem hoje mais de cem países usuários de uma rede de satélites.
Outras aplicações dos satélites surgiriam a seguir, como os de sensoriamento remoto, capazes de criar imagens da superfície do planeta com aplicações variadas, desde a feitura de mapas detalhados até a mensuração de safras agrícolas ou devastação em florestas. As fotos de satélite que os jornais trazem todo dia são outra faceta dessa indústria que cada vez tem menos romantismo. O nome completo do primeiro satélite era "Sputnik Zemli", algo como "companheiro de viagem" (do planeta). Em 1980, foi lançado um satélite americano com um nome mais moderno, o SBS (Satellite Business Systems). "Business", em inglês, quer dizer "negócio".

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