São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Consultor japonês vai formar 'discípulos'

RICARDO GANDOUR
EDITOR DE SUPLEMENTOS

O engenheiro e consultor japonês Kenji Nakata, 57, começa na próxima terça-feira a formar uma legião de "discípulos" no país. Nakata veio ao Brasil a pedido do Instituto de Engenharia e do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e sob patrocínio da Jica, a agência japonesa de cooperação internacional.
O consultor inicia seu programa de treinamento com um seminário terça-feira às 8h30 no Instituto de Engenharia (av. Dante Pazzanese, 120, zona sul, tel. 011-574-7766). Ele vai falar da nova técnica dos "5S" –que representam cinco palavras japonesas que começam com "s" e que significam descarte, arrumação, limpeza, higiene e disciplina.
Engenheiro de minas pela Akita University, Nakata é consultor master do JPC – Japanese Productivity Center, instituto onde nasceu, na década de 50, a primeira técnica "5S", hoje considerada uma filosofia de gestão empresarial e base de vários métodos de melhoria da produtividade.
O objetivo do programa, segundo o Instituto de Engenharia, é inicialmente orientar e acompanhar dez empresas, em projetos-modelo, a serem selecionadas em diversos setores. Depois, a idéia é disseminar as experiências a novos grupos de empresas e formar um grupo de consultores brasileiros.
Esse estilo de ensinar –em conjunto com as experiências locais– tem a ver com a filosofia de Nakata: ele acha que nenhuma técnica de gestão deve ser copiada, e sim adaptada à cultura local. No Brasil desde o início do ano, ele se dedicou até agora a visitar empresas como Clark (equipamentos), Inepar (condensadores) e York (higiene e limpeza).
Na semana passada, Nakata falou à Folha sobre como andam as coisas em seu país e o que já viu –de certo e de errado– nas organizações brasileiras.

Folha - Como está a situação no Japão hoje, em termos de atuação e de estratégia das empresas?
Kenji Nakata - Como se sabe, o assunto qualidade e competitividade está permanentemente em pauta. Mas as empresas japonesas passam por uma crise: elas estão descontentes com a produtividade. O operário japonês precisa trabalhar mais de 2.000 horas por ano para gerar a mesma renda per capita que os alemães geram com cerca de 1.600 horas anuais –algo em torno de US$ 28 mil per capita. Ou seja, o ano japonês teria que ter 15 meses para igualar o ano alemão.
Folha - O que as empresas japonesas estão fazendo para resolver isso?
Nakata - Estão transferindo boa parte da produção para outros países, especialmente da Ásia. O Japão está exportando fábricas e conhecimento sobre produção, para poder se concentrar em pesquisa e desenvolvimento, em novas tecnologias. Esse movimento é reforçado pela excessiva valorização do iene, que dificulta as exportações. Hoje um dólar está cotado a 124 ienes –o ponto ideal seria 105 ienes por um dólar.
Folha - O Japão, através da Toyota, foi o inventor do método "Just In Time" (trabalhar com estoque quase zero e com entregas frequentes dos fornecedores). Como está hoje a aplicação dessa técnica?
Nakata - Não está muito satisfatória. O pessoal de pesquisa e desenvolvimento tem se empenhado em buscar novos métodos. As empresas têm trabalhado com três entregas por dia, o que causa muitos problemas no trânsito. Os caminhões atrapalham e são hoje considerados "3K" –o que representa três palavras que começam com K e que significam "sujo, perigoso e incômodo". Faltam motoristas de caminhão no Japão, porque ninguém quer se entregar a essa tarefa "suja".
Folha - O Japão transferiu os estoques para as estradas...
Nakata - É, o estoque está em movimento. E essa dificuldade na entrega é um obstáculo às parcerias entre clientes e fornecedores.
O que o sr. já observou nas empresas brasileiras que visitou?
Nakata - Gostei do que vi, em termos de instalações, equipamentos, processos produtivos. Visitei fábricas que estão bem posicionadas, inclusive internacionalmente. Mas há um ponto ainda crucial: a relação entre o "input" (os recursos que são consumidos para fabricar algo) e o "output" (o resultado da fabricação). É a questão da produtividade. Há ainda muito esforço a fazer para melhorar a relação entre o que se produz e o que se gasta para produzir.
Folha - O que precisa ser feito?
Nakata - Há um arsenal de métodos e de técnicas voltados à melhoria da produtividade. Mas há um ponto essencial: o comprometimento de toda a empresa, desde o topo até a base. Não é uma questão apenas de mudar procedimentos, mas de mudar o comportamento. Também não adianta falar em mudar de cultura e "importar" uma cultura de fora. É preciso mudar, mas com os valores e com a cultura do país.
Folha - Como o comportamento atual atrapalha?
Nakata - Acho que aqui a questão da participação nos lucros ainda é algo um tanto passivo. Se o funcionário não vê vantagem em trabalhar melhor, não se motiva em contribuir para o processo. O empresário precisa ter a consciência social de que deve gerar lucros, empregos e qualidade de vida no trabalho.

Texto Anterior: Grupo Bordon busca uma saída para crise financeira
Próximo Texto: Stein, Hernan, Lescarbeau e Segarra
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.