São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994
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José de Castro e o fator militar

LUÍS NASSIF

Há mais de um motivo indicando que, além de ameaça às instituições democráticas, o presidente da Telerj, José de Castro, está jogando com a própria imagem das Forças Armadas, como instituição, em benefício próprio.
José de Castro valeu-se em proveito próprio de demandas militares que, sendo legítimas, teriam que ser analisadas dentro de um ambiente de seriedade e de respeito aos demais poderes.
Fez mais. Ao nomear mais de uma dezena de coronéis da reserva para postos de confiança na Telerj, ele acabou envolvendo unilateralmente o nome da própria instituição em práticas que vêm sendo sistematicamente denunciadas em outros campos da administração pelo general Romildo Cahim, Secretário da Administração Federal.
Falando em nome de militares, empregando militares, ainda que da reserva, é evidente que a intenção de José de Castro é instrumentalizar a imagem das Forças Armadas para atender a seus objetivos, envolvendo o nome da instituição no jogo rasteiro e fisiológico que maculou tantos setores da República.
Há agravantes no fato de sua figura, em questão, estar envolta em um sem-número de operações irregulares –que, apesar de farta denúncia da imprensa, em nenhum momento mereceram apuração por parte do presidente da República e de seu procurador-geral.
Tome-se cuidado: a situação profissional vexatória vivida por praças e oficiais do Exército pode estar sendo utilizada por espertalhões da vida política, como esse José de Castro, para encobrir propósitos suspeitos.
Desfaçatez do Congresso
A questão dos salários do Judiciário, com a conversão para a URV, jogou para segundo plano episódio escandaloso, que foi a esperteza da administração da Câmara e do Senado, de considerarem o dia 5 do mês de competência como a data-base para a conversão da antecipação dos salários –que é paga usualmente no dia 10.
Trata-se de uma desfaçatez sem limites, uma esperteza irresponsável, porque feita nas barbas da maior crise institucional dos últimos anos. O Supremo agiu sem sensibilidade política, mas tinha amparo da Constituição, e do espírito da MP, para sua decisão.
A administração de ambas as casas legislativas não tinha nem o amparo da Constituição, nem da Medida Provisória. Apenas recorreu à esperteza rasteira e desavergonhada.
Há tempos sabe-se que a administração da Câmara e do Senado tornou-se poder paralelo dentro da instituição. Como passa por ela a administração de privilégios de parlamentares, acabou formando uma aliança cúmplice com as mesas de ambas as casas, da qual se beneficiam parlamentares e funcionários –às custas do contribuinte.
Seria conveniente que os bravos colegas brasilienses investigassem a fundo a influência de que dispõem esses administradores e assessores, a maneira como acabaram ganhando poder indevido dentro do setor público, e de como articulam interesses dentro do Parlamento.
O que ambas as administrações fizeram afeta muito mais a imagem da Casa do que as críticas da apresentadora Hebe Camargo.
O "aumento" do STF
Por um compromisso com a objetividade jornalística, sugere-se à imprensa em geral que deixe de afirmar que o Judiciário se autoconcedeu um aumento de 10,4% em seus rendimentos, com a conversão para a URV.
Os salários foram convertidos com base no pagamento no dia 22 –que foi a data fixada para o pagamento de salários de todo o setor público, pela Constituição de 1988.
No último ano do governo Sarney, o ministro Maílson da Nóbrega transferiu o pagamento dos salários do Executivo para o dia 5 do mês de competência, com o intuito de fechar as contas públicas. Como o salário de dezembro foi pago em janeiro, naquele ano o orçamento registrou apenas 11 folhas salariais do funcionalismo, permitindo ao governo fechar contabilmente suas contas.
O Judiciário e o Legislativo continuaram da mesma maneira. Independentemente de se achar que o Judiciário ganha bem ou mal –e tem que se questionar sua autonomia para fixar seus próprios vencimentos–, a conversão manteve os salários no mesmo nível de antes. Portanto, não houve aumento.

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