São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 1994
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Torcedores abandonados

CIDA SANTOS

Torcedor de vôlei sofre. No futebol, os clubes passam anos sem ganhar títulos, atravessam situações financeiras terríveis, mas sobrevivem. Veja aí o exemplo do Santos. No vôlei, isso não acontece. Os clubes são das empresas. Quando elas decidem que o esporte não é mais um bom investimento, fecham as portas da equipe. E os torcedores que procurem outro time. Isso ocorreu com dezenas de clube como a Sadia, Supergasbrás, Bradesco. Mas a Pirelli era diferente: sobrevivia a essas tempestades. Em 16 anos de existência, algo totalmente raro no atual mundo do vôlei brasileiro, o time formou uma legião de admiradores. E agora a equipe foi desfeita. O motivo? O mesmo de sempre.
Nos últimos anos, com a redução de investimentos, a Pirelli já não tinha mais um grande time. Mesmo assim, trazia um tom de tradição, de história para as quadras. No início dos anos 80, era impossível ser paulista e não torcer para a Pirelli. A grande rival era a carioca Atlântica Boavista/Bradesco. Comprar ingressos para esses jogos era uma tortura. As filas eram imensas.
Pirelli e Atlântica faziam jogos memoráveis. Os times formavam a seleção. A Pirelli tinha William, Montanaro, Xandó, Amauri, Maracanã, Jaú e o técnico Brunoro. A Atlântica contava com Bernard, Renan, Bernardinho, Fernandão, Badalhoca e era dirigida por Bebeto de Freitas. A disputa pelo título brasileiro de 82 foi dramática e inesquecível. A Atlântica ganhou os dois primeiros sets e, quando tudo parecia perdido, a Pirelli virou. Foi uma guerra de 4h26min. Até hoje, o jogo mais longo dos campeonatos brasileiros.
Mas foi com a conquista do título mundial que a Pirelli arrebatou de vez os corações e mentes de seus seguidores. O dia era 20 de outubro de 84 e de novo frente a frente estavam os dois: Pirelli e Bradesco. A Pirelli jogava de camisa vermelha, com listras azuis e amarelas na frente. A mesma camisa que grande parte do público que lotava o ginásio do Ibirapuera vestia. A decisão do jogo foi no quinto set. William, com uma fitinha na testa, foi para o saque. O Bradesco fez a recepção. Bernardinho levantou para Badalhoca e... bloqueio de Amauri. Era o 15.º ponto e o primeiro título mundial do vôlei brasileiro. Memórias.
Fico me perguntando: o que seria de um corintiano se o clube fechasse suas portas? Na sexta-feira, falei com William. Ele disse que se sentia "supertriste". Tem razão. É supertriste a Pirelli acabar.

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