São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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"Manifesto dos Intelectuais" pediu o fim da censura em janeiro de 77

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 25 de janeiro de 1977, no governo do presidente Ernesto Geisel, a escritora Lygia Fagundes Telles liderou, com três colegas, a elaboração do chamado "Manifesto dos Intelectuais", um abaixo-assinado de mais de mil signatários contra a censura.
Aquela era a maior manifestação de intelectuais, desde 1968, contra o regime militar, implantado há 30 anos no dia 31 de março.
O manifesto foi entregue no Ministério da Justiça, em Brasília. O ministro era Armando Falcão. Além de Lygia, compunham a comissão o historiador Hélio Silva e os escritores Nélida Piñon e Jefferson Ribeiro de Andrade.
As articulações secretas para a redação do manifesto haviam surgido no ano anterior.
Na "sequência de inexplicáveis arbítrios", como diz o documento, a censura proibira os livros "Aracelli meu Amor", de José Louzeiro, "Zero", de Ignácio de Loyola Brandão e "Feliz Ano Novo", de Rubem Fonseca.
Segundo Lygia Fagundes Telles, o manifesto, apoiado por nomes como Jorge Amado, Antonio Cândido, Otto Maria Carpeaux e Carlos Drummond de Andrade, contribuiu para frear o ímpeto dos censores daquele momento em diante.
Dizia um dos trechos do manifesto:
"Nós, para quem a liberdade de expressão é essencial, não podemos ser continuamente silenciados. O nosso amordaçamento há de equivaler ao silêncio do próprio Brasil e à sua inequívoca conversão em país que muito pouco terá a dizer brevemente."
Lygia conta, a seguir, que os intelectuais já vinham "conspirando" desde um congresso de escritores realizado em Belo Horizonte em outubro de 1976:
Folha - O que motivou o manifesto?
Lygia - A censura vinha exorbitando em relação ao teatro, ao cinema, às artes plásticas, livros e jornais. Nós fomos nos sentindo frágeis. É bonito isso, o sentimento do homem fragilizado politicamente, a sua vontade de se reunir, de formar seus círculos. Em 1976, jovens escritores em Belo Horizonte, em mesas de bar, já estavam se levantando, tentando também armar não se sabe bem o quê, não se sabe se um manifesto ou um memorial. As ações estavam coincidindo, embora não houvesse ainda entre nós contato mais profundo. O movimento de Belo Horizonte acabou liderando grupos esparsos de São Paulo e do Rio, que tinha à frente Rubem Fonseca e José Louzeiro. Eu me sentia dentro de uma nova inconfidência, de origem mineira e âmbito nacional.
Folha - Que tipo de coisa era alvo da censura?
Lygia - Houve a proibição da transmissão pela TV do balé Bolshoi. Mais de 400 textos teatrais foram cancelados nesse período porque achavam que eles subvertiam a ordem. Eles tinham horror, por exemplo, a temas que se referiam a uso de tóxicos, a padres que abandonavam o sacerdócio ou a temas que se referiam a casamentos desfeitos.
Folha - Vocês temiam represálias?
Lygia - Sabíamos da tortura, exílio e cassações. A nossa estratégia era a do silêncio, para que quando chegássemos ao Ministério da Justiça, o manifesto tivesse a maior repercussão. Mas um jornal de Brasília deu a notícia no dia em que embarcamos de avião. O tempo estava horrível, o avião foi pinoteando nas nuvens ao ponto do Hélio Silva dizer: 'Se escaparmos aqui de cima, descendo seremos presos'. Descemos, fomos ao ministério, entregamos o documento e fomos falar à imprensa, que era o mais importante. Houve uma repercussão extraordinária.

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