São Paulo, terça-feira, 5 de abril de 1994
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Jacob do Bandolim e a economia

LUÍS NASSIF

Quando ensaiava suas apresentações com o conjunto Época de Ouro, Jacob do Bandolim, o maior bandolinista da história, recorria a um método de trabalho original. Sugeria inovações em determinados trechos da melodia, a serem detalhadas pelos demais músicos. E saia para tomar cafezinho, enquanto o conjunto trabalhava em cima de suas sugestões. Quanto mais durasse o café, melhor era o resultado alcançado.
Se tivesse dirigido sua criatividade e seu método de trabalho para processos produtivos –e morasse em outro país–, Jacob do Bandolim teria se tornado um capitão de indústria dos maiores. O que praticava com seus músicos está em linha com o que de mais moderno existe na ciência da administração e no marketing.
Em Jacob, a centelha de um talento luminoso tinha que ser burilada permanentemente, criada e recriada, testada e aperfeiçoada. Havia uma obsessão pelos detalhes e a busca sistemática de soluções criativas. Embora fosse o maior de todos, limitava-se a apontar o caminho e a tirar em cada músico a contribuição mais criativa.
A música popular sempre foi considerada a manifestação mais brilhante da criatividade brasileira. Mas sedimentou-se na cultura oficial o preconceito de que esta criatividade tinha um quê de vagabundo, de falta de sentido prático, como se criatividade precisasse ser qualificada.
A criatividade é uma característica de raças e culturas. Não existe criatividade segmentada, voltada só para a música, ou para as artes, ou para os negócios. Nações são criativas ou não, independentemente de para onde a criatividade seja canalizada.
Pergunte-se a qualquer multinacional avançada sobre a qualidade do trabalhador brasileiro. Vai-se ouvir maravilhas sobre sua facilidade de adaptação a novas condições e métodos –característica do sujeito criativo.
Pobreza e criatividade
Não é coincidência o fato de essa criatividade ter-se manifestado com toda intensidade na música, nos segmentos mais desassistidos da população. Nem é coincidência que, regionalmente, a musicalidade brasileira se manifestasse com mais intensidade nas regiões onde a presença do Estado era mais massacrante e atrasada –como no Nordeste.
Onde o Estado estendeu seu manto protetor, criou uma raça de eunucos, acomodados, mortos em vida. Foi preciso que os imigrantes dos anos 20 injetassem sangue novo na economia, quando o Estado garantiu a sobrevida, em formol, dos barões do café. Mais tarde, todos imigrantes que, tendo se tornado poder, passaram a trabalhar de olho nas burras do Banco do Brasil, perderam a energia de seus antepassados e viraram estátua de sal.
Enquanto isto, a música popular desenvolvia-se numa explosão de criatividade sem paralelo.
Economia da música
Hoje a música popular é um dos segmentos econômicos de maior significado na economia mundial –como matéria-prima do complexo audiovisual.
Acabamento criativo, diversificação de produtos, inovações fantásticas, melodias para todos os gostos, variedades regionais ilimitadas –o Brasil tem de tudo. Há estrelas internacionais, como Gil e Caetano, Chico Buarque, Ivan Lins, Milton Nascimento, Djavan.
Há a maior escola de violão do planeta, com Baden, Rafael, os irmãos Assad, entre tantos outros. Há conjuntos vocais de primeiríssimo time, como o Garganta, MPB4, 4X4 e Beijo. Tem-se uma das duas maiores escolas de música instrumental do século –o chorinho.
No plano regional há a música baiana, a pernambucana, a gaúcha, a paraense, a mineira, a caipira paulista, entre tantas outras, fontes permanentes onde vem se abeberar algumas das maiores estrelas do pop mundial.
E tem-se uma tradição audiovisual de primeiro mundo, graças ao excepcional desenvolvimento técnico proporcionado pela Rede Globo.
Falta apenas empresários de visão para o Brasil tornar-se o grande supridor da indústria cultural mundial no campo da música. Na verdade, poucos setores da economia nacional conseguem dispor de uma geração empresarial tão medíocre e amadora como a indústria fonográfica brasileira.
Não é por outro motivo que a lambada –segundo ensina o pesquisador José Ramos Tinhorão em seu último livro– foi descoberta e rendeu milhões de dólares a dois produtores europeus.

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