São Paulo, terça-feira, 5 de abril de 1994
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E a Terra era redonda

Dos setores mais conservadores da sociedade brasileira a uma ala significativa da centro-esquerda, é consensual hoje a idéia de que o Estado deve seguir um modelo neoliberal. Não há dúvida de que, atualmente, até por falta de alternativa, o caminho é diminuir o tamanho do Estado e estimular a iniciativa privada. O saudável ceticismo, contudo, recomenda que se desconfie de tudo aquilo que é unânime. Afinal, já foi consenso a opinião de que a Terra era achatada.
De fato, por entre os escombros do Muro de Berlim pôde-se observar a ruína da economia socialista, ou seja, a falência do modelo que se colocava como alternativa socialmente mais justa ao capitalismo. Não foi só. Com o fim da chamada ameaça comunista amplificado por uma crise econômica estrutural, saiu também fortemente abalado o conceito do "Welfare State", que procurava aliar a eficiência e produtividade da lógica de mercado à preocupação com a justiça social.
Tendo triunfado, é natural que o neoliberalismo vivesse um surto de popularidade. Entretanto, a glória da vitória é efêmera, sobretudo quando boa parte dos problemas colocados desde o surgimento do liberalismo, no século 18, persistem.
O termo "economia" surgiu na Grécia Antiga. "Oikonomía" significava apenas "arte de administração do lar". Estava longe de ser uma ciência. Podia, no máximo, ensejar reflexões metafísicas. Foi só com a descoberta do Novo Mundo e uma considerável revolução tecnológica, por volta do século 16, que a economia se coloca do ponto de vista das nações e não de indivíduos. Inaugurava-se o mercantilismo.
E é justamente no contexto dessa dicotomia nação/indivíduo que surge o liberalismo, ainda que apregoe noções opostas às do mercantilismo. Adam Smith, o pai da economia liberal, admite que os interesses dos negociantes se opõem aos da comunidade. Para ele, contudo, o comércio seria capaz de redistribuir a riqueza gerada pelo trabalho. Não é o que se observa. Mesmo tendo passado por inúmeras tentativas de reformulação, o neoliberalismo não conseguiu dar uma resposta satisfatória para a questão.
É certo que não existem receitas prontas. E todos os países estão buscando suas próprias soluções. O que importa contudo, principalmente num país como o Brasil, é que a economia resgate um pouco da sua noção grega e seja capaz de fornecer a todo e cada brasileiro os recursos necessários para a "administração do lar".

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