São Paulo, terça-feira, 5 de abril de 1994
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O anti-Lula e a esperteza das elites

JOSÉ GENOINO; JOSÉ FORTUNATI

JOSÉ GENOINO
JOSÉ FORTUNATI
Aqueles que no PT, no PSDB e fora destes dois partidos vêm defendendo uma aliança entre esquerda e centro-esquerda nas eleições deste ano avaliam que, no quadro político atual, este é o melhor caminho para tornar possíveis as reformas que o país exige. As opções adotadas por PSDB e PT praticamente inviabilizaram esta alternativa, transformando aliados potenciais em adversários prováveis. Tudo indica que até mesmo a hipótese de uma coligação no segundo turno deverá ser descartada. Caso se confirme, a candidatura Fernando Henrique será a mais credenciada para disputar com Lula na rodada decisiva do pleito.
Nesta eventualidade, a aplicação de um programa de mudanças ficaria ainda mais dificultada, qualquer que fosse o resultado da eleição. No caso de uma Presidência de Lula, esta maior dificuldade decorreria do estreitamento da base política, face à ausência dos tucanos num bloco para governar. Na hipótese de um governo Fernando Henrique, porque em aliança com o PFL, o próprio programa de mudanças estaria em questão.
Entre a sensibilidade do PSDB para o imperativo da distribuição de renda e o elitismo empresarial do PFL, qual iria prevalecer? Entre os compromissos tucanos com a modernização das instituições políticas e o fisiologismo pefelista, qual iria sobrar?
Supor que, passada a eleição, PT e PSDB poderiam se recompor para o exercício do governo é não considerar o processo de distanciamento programático que a própria disputa eleitoral provocaria entre os dois partidos, sob as vistas do conjunto do eleitorado. Este dificilmente iria entender uma tal recomposição, dificultada ainda mais pelas sequelas inevitáveis que uma acirrada disputa de segundo turno deixaria.
Nada melhor para as velhas elites nacionais, que carecem de candidato competitivo próprio e sofrem a ameaça de perder seu domínio secular sobre o poder. O cálculo dos seus representantes políticos mais espertos é simples: ou a transformação do PSDB em força auxiliar do conservadorismo ou a eleição de um adversário de esquerda politicamente enfraquecido. Uma coisa, pelo menos, ACM já conseguiu distanciar ainda mais dois partidos que já deviam estar juntos.
Por termos defendido a aliança PT-PSDB, sentimo-nos à vontade para afirmar que uma parceria PSDB-PFL e outros partidos de centro-direita, afora representar uma renúncia dos tucanos ao ideário social-democrata, significaria também a busca de um atalho enganoso para a superação da crise nacional.
Não há solução para esta crise fora de um pacto social que equacione o problema do crescimento, da distribuição de renda e do combate à exclusão social. Sem um pacto, a saída da crise tende a se dar pela via mais perversa, resultando, quase certamente, no aprofundamento da miséria e na configuração plena do apartheid social. Mas se é para isto, nem haveria necessidade de o PSDB (ou do PT): o PFL e o PPR saberiam fazê-lo melhor do que ninguém. A idéia do pacto só tem sentido para os partidos democráticos, reformadores, que desejam tirar poder e riqueza de quem os detém para melhor distribuí-los.
Mas como viabilizar um pacto hoje no Brasil sem o PT, com toda a enorme base social que este partido representa? Por tudo isso é que ousamos reiterar que a chave da solução política para o nosso impasse é uma aliança de esquerda e centro-esquerda, com base num programa de reformas democráticas negociado, tendo como núcleo PT e PSDB.
O PFL, em que pese a presença nele de algumas figuras respeitáveis, é um típico partido da elite tradicional que sempre governou o Brasil. Uma elite que desdenha a necessidade de se instituir uma esfera pública democrática mediadora dos conflitos sociais e capaz de promover um equilíbrio razoável entre os vários grupos que compõem a sociedade. Elite que privatizou o Estado, transformando-o num distribuidor de privilégios para poucos e instrumento da acumulação privada de capitais.
Decorre daí a precariedade do jogo político democrático no Estado e a insuficiência de mediação por meio das instituições da sociedade e dos partidos.
A busca de um anti-Lula, seja Fernando Henrique ou qualquer outro, revela a dificuldade que certos setores da direita têm para aceitar o livre jogo político-partidário e a alternância democrática no poder. Querem impedir a qualquer custo que as forças de esquerda ponham fim a um ciclo de dominação excludente e iniciem um processo de reformas capaz de mudar as injustas relações sociais existentes, em parceria com outros segmentos políticos.
Aglutinar um bloco de forças em torno de um anti-Lula revela também a fragilidade programática dessas forças, pois não se unem em torno de um programa positivo de solução dos problemas da sociedade. Por mais maquiado que um programa do arco de alianças PSDB-PFL-PMDB (ou variante) possa mostrar-se, ele não passará de uma repactuação conservadora. Este caminho é sobretudo perigoso porque é capaz de abrir um processo de radicalização que se estenderia da campanha até o próximo governo.
Esta aliança contudo encontrará grande dificuldade para se viabilizar. Primeiro, porque espera-se que os setores mais à esquerda (e o eleitorado) do PSDB ofereçam uma forte resistência à sua concretização. E segundo porque uma aliança com essas características ficaria muito vulnerável na campanha eleitoral.
De qualquer forma, o que está em jogo neste momento é o destino dos setores de centro-esquerda que se formaram recentemente no espectro político-partidário brasileiro. Ou eles afirmam a sua vocação no sentido de apostar nas mudanças e nas reformas e por isso vêem no PT um aliado natural, ou se desfazem desse propósito e se abandonam ao leito comum da tradição anti-reformista e conservadora.
O PT, por sua vez, não pode reagir de forma irada face às escolhas que os setores de centro-esquerda venham a fazer. Mais do que o poder, está em jogo o destino da sociedade e uma chance, que provavelmente não se repetirá, de mudar o curso da nossa história. E por mais legítimas que sejam as aspirações pessoais e partidárias de quem quer que seja, amanhã serão cobradas as responsabilidades dos protagonistas políticos do presente.

JOSÉ GENOINO NETO, 47, é deputado federal pelo PT de São Paulo. Foi líder do partido na Câmara dos Deputados (1991).JOSÉ FORTUNATI, 38, é deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul e líder do partido na Câmara dos Deputados.

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