São Paulo, sexta-feira, 8 de abril de 1994
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Pillay deixou um pé de 'neem' de herança

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vocês já ouviram falar em Meeta (Mita) Ravinora? É uma indiana que chegou ao Brasil há algum tempo e faz a comida mais deliciosa do mundo. Atualmente tem um bufê, mas antes dava aulas em sua casa e nos regalávamos com os resultados práticos de suas comidas exóticas.
Meeta usava folhas de "neem" para perfumar os pratos e fazer o "garam masala" ou pó de curry. Tinha uma árvore raquítica, de um palmo de altura, e a economia era grande.
O nome científico da árvore é Chalcas ou Murraya Koenigil. Nunca ouvi falar dela no Brasil, mas na Índia é muito usada na comida. Parece uma folha de louro e tem gosto de limão, laranja, mexerica, pitanga. Mas, acabadas as aulas com a Meeta, onde conseguir as folhas frescas e fragrantes?
No Alto da Lapa morava uma senhora chamada Pillay, Mrs. Pillay, nossa fornecedora de farinha de grão-de-bico. Uma indiana de rosto severo, coque grisalho, a cara de dona Canô, a mãe de Caetano Veloso. Não nos deixava entrar na sala onde ficava o moedor e o remédio. Era esperar olhando suas lamparinas e a vista do quintal, pela janela.
Até que um belo dia, descobrimos uma árvore copada, lá embaixo, que era com certeza a tal, a tal cobiçada. Parecia tudo resolvido. Mas, daí em diante, a história despencou na tristeza.
Mrs. Pillay adoeceu gravemente e empacou naquela casa de três andares, por causa de sua árvore. Era um restinho da Índia, eram raízes que ela não podia deixar para trás. Os filhos –depois de muita luta– conseguiram que uma muda pegasse no vaso e só então Mrs. Pillay foi morrer num apartamento, com a árvore ao pé da cama.
Os anos foram passando e sempre tive planos audaciosos em relação àquela preciosidade. Um dia, apareci na casa antiga de Mrs. Pillay com uma pá. Fui atendida por uma velhinha que era exatamente o contrário da outra. Muito clara, olhos azuis, doce, que me recebeu como se fosse visitada diariamente por senhoras com pá nas costas.
Qual ladrão de mudas que era, entrei, cavouquei, puxei com toda a força as mudas que se formavam à volta da árvore. Invoquei aos céus o nome de Mrs. Pillay, rosto pegando fogo de medo de ser pega em flagrante por algum membro da família menos indulgente e nada... Pudera. Fiquei sabendo que a árvore projeta tão fundo suas raízes, que está sendo usada na África para deter o deserto do Saara.
Teimei e voltei com o aval da dona da casa, filha da velhinha branca. Saí com um motorista botucudo, um jardineiro com chapéu de cangaceiro e machado no ombro e um ajudante negro, de dois metros, de camiseta cavada e pá. Logo na esquina, andando devagar, olhando no mapa qual caminho tomar, um alvoroço à nossa volta. Executivos de pasta que saíam para trabalhar se atropelavam para entrar em casa de novo, os vigias em posição de sentido, estejem presos!
Moro na rua de um dos nossos mais famosos sequestrados e o sequestro estava fresquinho. Aquele exército de Brancaleone atrás de uma muda de planta era de molde a assustar qualquer um.
Hoje, na minha calçada, a Murraya Koenigil bate na minha cintura, verdinha, mostrando do que são capazes os "foodies" para descolarem os adereços de sua comida.
Acho que Meeta Ravindra seria capaz de retomar suas aulas, se um grupo arranjasse o lugar. É como você conviver com uma família indiana, de sari e pinta na testa e cítara. Meeta, além de tudo é cantora de músicas indianas, inteligente, simpática e sabe absolutamente tudo de comida da Índia, com uma simplicidade que facilita as coisas. Tel. 011/452-2134.
Dona Martha Kardos é uma outra história. Atualmente tem 80 e tantos anos de juventude e garra. É uma das mulheres que mais sabe cozinhar. É brava, passa pitos, exige que as compras sejam perfeitas (ensina a fazer compras também, o que é primordial na cozinha). O seu mundo é a cozinha francesa e a austríaca, com todos os efes e erres. Tel. 011/65-0054.
Quem está com belos cursos organizados é Wilma Kovesi. Seu Centro de Criatividade Doméstica é bem organizado e, com boa infra-estrutura, atrai donos de restaurantes, grandes chefs, cozinheiros. Fica na r. Cristiano Viana, 224, tel. e fax. 011/282-9151, Pinheiros.

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