São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994 |
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AÇAí E ACEROLA Nos cabelos pretos, um grão de arroz perdido, muito branco JOÃO GILBERTO NOLL
Mas eu estava ali, e a altas horas, e sentia uma danação por não parar de transpirar... Acho que gritei. A lataria pesada passou na estrada, deixando atrás de si um rastro todo torto, feito bêbado. Será...? E ela chegou por trás, e me chamou para o quarto. Nos cabelos pretos um grão de arroz perdido, muito branco... Ela sentou-se na borda da cama, encostou meu bolso na sua respiração, me abriu a calça, e eu sabia que de uns tempos pra cá nada daquilo resultaria em muito, e me olhei de cima, e vi que de fato em resposta pouco ou nada no meu corpo acontecia, salvo as manchas de batom nos poros agora pelo menos insinuados, não muito, e eu sabia que eu guardaria o meu corpo até a manhã seguinte com as marcas do batom... e que daquele instante não restaria nada além dos olhos dela cheios de uma gula aflita, e antes de guardar o meu corpo e beber um copo d'água eu iria até o quarto da criança e a olharia uma vez mais ajoelhada no chão duro, a calça roída nos joelhos... eu diria boa-noite... a criança, muda... mais uma vez o ar opaco, esquecido das razões da súplica... Então sim, então eu iria até a cozinha e beberia o copo d'água, firmemente como se estivesse bebendo o açaí com a acerola e o pó de guaraná, e uma força de mim iria subindo, lentamente... e de lá de cima eu olharia a minha criança, lentamente... e a minha criança ressurgiria de pé e saberia que já era tarde... hora de chegar ali na cama... se deitar de bruços (o lençol quase a lhe tapar a cabeça)... e lá em cima a minha mão passeando pelo meu peito estancaria, de repente, ao encontrar os lábios da minha cicatriz... Texto Anterior: DILEMA Próximo Texto: CAFÉ DAS FLORES Índice |
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