São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Difícil de engolir

O preço de alguns alimentos já subiu, em URVs, até 100% em 1994, segundo pesquisa do Procon/Dieese. Repita-se: em URVs, ou seja, a mesma unidade na qual os salários estacionaram a partir de março.
É certo que, mais recentemente, o ritmo de alta dos alimentos vem dando sinais de desaceleração –caso do feijão, que entre fevereiro e março sofreu com uma quebra de safra no Nordeste. A partir de agora, com a entrada no mercado da safra do Sul, esse movimento deve inverter-se. Há outros movimentos de alta impressionante que também se explicam sazonalmente, como a disparada dos preços de laticínios, e que tendem a se esgotar. A elevação média de preços da cesta básica em URVs foi de 9,35%, um número bem menos assustador que os absurdos 100,54% da mozarela.
Ainda assim preocupa o fato em si: justamente os alimentos terem altas tão expressivas. Para a maioria dos trabalhadores essa é a inflação que interessa, a que mais pesa nos seus orçamentos. De outro lado, é fato que boa parte desses aumentos ocorreu às vésperas do anúncio da URV. Foram reações defensivas contra a hipótese, afinal não verificada, de congelamento de preços.
Assim, as perdas provocadas por esses aumentos acabaram afetando principalmente os salários que eram, ainda, salários em cruzeiros reais. Desde a URV os aumentos em cruzeiros reais prosseguiram, mas as perdas diminuíram.
É possível que a própria correção integral dos salários estimule novas altas. Isso ocorreu em parte na semana posterior ao pagamento dos salários em URVs. As carnes chegaram a aumentar, em termos reais, mais de 20%. Na semana seguinte, entretanto, esses preços desabaram e ficaram até imóveis, em cruzeiros reais. Os preços de alguns alimentos reagem rapidamente para cima, mas caem também quando o consumidor empobrece e se retrai.
Mas se é razoável imaginar que as altas exageradas cedo conduzirão a uma falta de consumidores capazes de suportá-las, a hipótese de uma calmaria absoluta em todos os preços é irrealista. Seria ressucitar a utopia da inflação zero. Resta saber se os preços, especialmente dos alimentos, oscilarão dentro de margens suportáveis após a adoção do real. Se a especulação altista voltar, o plano de estabilização pode se tornar impossível de engolir.

Texto Anterior: Miséria canibal
Próximo Texto: Importar é o que exporta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.