São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 1994
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O cidadão e o "Constituismo"

LUÍS NASSIF

A bandeira da Constituinte exclusiva –sem a participação de políticos em atividade– merece ser analisada à luz dos fundamentos do Estado.
Estados se constituem a partir do momento em que seus habitantes reunem-se e resolvem dispor de parte de seus rendimentos para financiar serviços comuns. Cria-se uma estrutura que passa, então, a ser administrada por representantes dos cidadãos –a classe política.
As Constituições existem para estabelecer limites à ação destes gestores, impedindo que exorbitem de suas funções, valendo-se de sua situação eventual para colocar seus interesses acima dos interesses dos verdadeiros donos do Estado –os cidadãos. Ou então para se perpetuar no poder, tal qual uma máquina que ganha vida e se volta contra seu criador, como nos piores filmes classe B.
No caso brasileiro, historicamente a classe política usurpou dos cidadão o direito de fixar as regras do jogo. Em conjunto com outros poderes que constituem o Estado, passou a manipular as regras do jogo em seu próprio interesse.
Bons corações
É uma repetição monocórdica, que ocorre ao longo de toda a República. Oferecem-se alguns óbulos à cidadania, reconhecendo direitos que jamais saem do papel e que em nenhum momento se constituem em ameaça à ação política, como álibi para manter esse processo secular da mais espúria e indecente espoliação do Estado.
Majoritariamente, os políticos "concedem" favores como se eles fossem os donos do pedaço, como se o dinheiro proviesse de seu próprio bolso. E consagrados pela imagem de amigos dos pobres e desassistidos –com dinheiro alheio– tratam de meter a mão no cofre para si próprio, indicando amigos para cargos públicos, conseguindo favores de estatais para empresários amigos, ou simplesmente financiando sua próxima campanha com benquerenças bancadas pelo conjunto dos contribuintes.
Não é uma maravilha um deputado propor uma lei aumentando da noite para o dia o salário mínimo para US$ 100? Ou concedendo anistia a servidores, com esse toque de profunda sensibilidade social, de dar preferência aos desempregados? Ou remunerando regiamente aqueles que trabalham consigo –os funcionários da Câmara, bem entendidos, não seus empregados particulares?
À noite em casa, devem rir desse país estúpido, que não consegue estabelecer essa relação óbvia de causa e efeito entre o bom coração do malandro e a falta de verbas para a saúde.
Heróis individuais
Resulta dessa prática o vício secular do Constituismo, de jogar na forma da lei toda espécie de direito demagógico, que jamais sairá do papel, mas que confere aos constituintes o verniz de legitimidade do qual irão se valer para garantir seus privilégios. O povo se alimenta de palavras: a parte dos políticos é em espécie mesmo.
Há políticos comprometidos com a luta da cidadania. Mas são minoritários. Alguns contabilizam vitórias, quando conseguem bloquear algum exagero corporativista mais ostensivo. Mas no que importa –a soma final do jogo– tem-se uma classe política miseravelmente comprometida com seus próprios interesses e das corporações com as quais repartem o grande butim do Estado.
Daí a necessidade de se levantar insistentemente a bandeira da Constituinte exclusiva, na qual cidadãos de todas as vertentes políticas unam-se em torno de um só objetivo –estabelecer regras do jogo que libertem definitivamente o Estado dessa espoliação– e consagrem o direito inalienável dos cidadãos sobre o Estado.
Bravos patriotas
Tomem-se todos os homens de Itamar contrários à privatização –o ex-ministro das Minas e Energia, Paulino Cícero, o ex-presidente da Eletrobrás, Marcelo Siqueira, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal, Danilo de Castro.
Todos se valeram do cargo para pavimentar a própria candidatura às próximas eleições. Ou então –como o caso do atual ministro das Comunicações, Djalma Moraes, e do presidente da Telerj, José de Castro– para amparar candidaturas do grupo pessoal de Itamar.
Tudo em nome da sagrada defesa do nacionalismo e do "patrimônio público".

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