São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 1994
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Onde o céu é mais azul

LUÍS NASSIF

Este país, que chora e se lamenta por estar excluído do mercado internacional em tantos setores de ponta, dispõe de vantagens comparativas substanciais, em setor da mais alta relevância na economia mundial.
Trata-se da música popular, desde que tratada como bem econômico por empresários que não sejam nem ruins da cabeça nem doentes do pé.
Depois que o próprio Gatt incluiu a indústria do audiovisual entre seus temas mais relevantes, aliás, é conveniente que instituições como o BNDES incluam a MPB nos seus estudos sobre setores econômicos promissores, que estão sendo pesquisados pelo banco.
Para que a MPB torne-se uma atividade relevante, basta empresários criativos, com algum cacife financeiro e um conhecimento um pouco mais aprofundado do mercado internacional –que pode ser facilmente adquirido, contratando especialistas nos países consumidores.
Vai-se perceber que em nenhuma outra atividade, as perspectivas do produto brasileiro são mais promissoras.
Nos grandes países consumidores, a ponta do varejo é bastante competitiva. Nos Estados Unidos não há nenhuma loja sofisticada que não disponha da prateleira de músicos brasileiros –em geral, CDs produzidos por gravadoras norte-americanas.
Sem nenhum trabalho mais sistemático, a imagem da MPB já está consolidada internacionalmente.
O que representaria para um fabricante de geladeiras do Brasil, dispostos a exportar para os Estados Unidos, receber um elogio em um grande jornal norte-americano? Ou ter espaço reservado em gôndolas de supermercados?
Esta porta está aberta para a MPB, e apenas para ela. Desde que amparada numa boa base comercial, num marketing criativo, num trabalho persistente e profissional, tem-se a procura garantida, uma oferta praticamente inesgotável e o mercado interno para garantir o ganho de escala inicial.
Consumidores fanáticos
Quando Paulinho da Viola entrou no palco, na primeira noite do Heineken Concerts, acompanhado de Gilberto Gil, Canhoto da Paraíba e da Velha Guarda da Portela, por exemplo, foi como se uma lufada cívica varresse o auditório.
No auditório, várias centenas de consumidores extasiados. Não os movia noções de status, efeito demonstração com consumidores estrangeiros, ou o impulso fácil que move as decisões de consumo. Havia fanáticos dispostos a consumir o que viesse pela frente.
Qualquer indústria de bens de consumo entregaria o pescoço de seu presidente em troca da fidelidade apaixonada exibida pelo público consumidor de música popular brasileira.
Mesmo tratando-se de um público de média e alta renda –a julgar pelos preços dos ingressos–, comportava-se com o mesmo entusiasmo contagiante de um pagode.
O que demonstrava cabalmente que o produto oferecido é de espectro amplo. É como se um fabricante de automóveis dispusesse de um produto aceito pela alta renda e acessível para a baixa.
Gênios anônimos
O fato de os "superstars" nacionais estarem amarrados a contratos com gravadoras internacionais não atrapalharia o projeto de uma "musicobras" –-uma empresa (sem governo no meio) que fosse criada para trabalhar a MPB internacionalmente.
Tem-se uma oferta inesgotável de talentos, graças a mediocridade dos atuais empresários musicais.
Um exemplo simples. O grande "hit", hoje em dia, é o paraguaio-brasileiro Agostin Barrios, falecido décadas atrás e redescoberto por John Willians –considerado o maior violonista da atualidade.
Nas lojas norte-americanas é possivel encontrar Barrios executado por Willians e por um violonista chamado Marcelo Kayath, quase no mesmo nível do gênio inglês.
A contracapa informa que Kayath é, professor de engenharia eletrônica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que desistiu da carreira profissional por falta de perspectivas no Brasil.

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