São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Igreja está dividida entre Lula e FHC

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente da CNBB, d. Luciano Mendes de Almeida, diz que o futuro presidente da República deve ter experiência de organização, de administração e conhecimento das necessidades do povo.
Tal perfil revela a divisão da Igreja na sucessão presidencial –os critérios apontados pelo presidente da CNBB podem ser identificados tanto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como em Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O presidente da CNBB já se reuniu com Lula e FHC. Evita se manifestar a favor de um ou outro. Mas mudou de opinião sobre a aliança PSDB-PFL em torno de FHC, que criticara anteriormente.
"A governabilidade é um critério que dá sentido à aliança", disse. Para ele, mesmo com a dificuldade de "harmonizar" propostas não-coincidentes entre PSDB e PFL, a coligação é um "desafio que vale a pena ser enfrentado".

Folha - O sr. já conversou com Lula e com FHC. Qual dos dois candidatos preenche melhor as expectativas da CNBB?
Luciano Mendes de Almeida - Fiz para os dois presidenciáveis oferta de um livro que contém nossas propostas. E resumi oralmente aqueles pontos que me parecem mais fortes e urgentes a partir de uma perspectiva da Igreja. Não tenho elementos para julgar qual dos dois teve mais possibilidade de penetrar nessas propostas.
Folha - Está praticamente definida a aliança PSDB-PFL. O sr. acha que, em função dessa aliança, FHC tem condições de encampar propostas da CNBB?
Almeida - É uma pergunta técnica que exige naturalmente o conhecimento dos programas de partido. Lembrei sempre a importância em qualquer aliança do conteúdo dessa aliança. Não bastam que se somem forças numa campanha eleitoral mas é necessário que se criem condições de governabilidade pela colocação em comum de valores, e pela aceitação de linhas comuns de governo.
Folha - O sr. acredita que a governabilidade por si só justifica a aliança entre PSDB e PFL?
Almeida - A governabilidade é um critério que dá sentido à aliança. No entanto, é difícil que propostas que não são coincidentes possam a curto prazo se harmonizar. Mas é um desafio que vale a pena ser enfrentado.
Folha - Anteriormente, o sr. falou que o casamento entre PSDB e PFL era "meio forçado", por causa da discrepância das propostas dos dois partidos.
Almeida - A colocação inicial se referia à necessidade de que as alianças tivessem sempre como base o conteúdo e propostas comuns. Daí a estranheza diante de alianças que não explicitaram tal conteúdo.
Folha - Várias interpretações foram feitas a respeito do conteúdo da cartilha "Voto Responsável", feita para a CNBB. Inicialmente, falou-se que a cartilha tinha uma tendência pró-Lula, ao recomendar a opção pela chamada "democracia popular".
Almeida - Essa cartilha reflete dias de estudo de um grupo de estudiosos e católicos de grande seriedade. Em relação ao que se diz "democracia popular", confesso que gostaria de uma explicitação melhor. São palavras que nem sempre têm o mesmo sentido. Acredito também que as três colocações que constam do documento sobre caminhos políticos não resumem todas as opções que hoje estão se abrindo. São três modalidades, a título de exemplo. Quanto a saber qual delas responde concretamente a algum candidato, não é intenção da cartilha.
Folha - Após o caso da cartilha, d. Afonso Gregory, encarregado de redigir a nota sobre 32ª Assembléia, disse que o perfil ideal do candidato a presidente seria aquele que tivesse mais experiência administrativa. Isso foi interpretado como uma posição da CNBB favorável a FHC.
Almeida - Essa colocação ajuda a formar o julgamento político porque oferece alguns critérios. Mas na intenção de d. Gregory não se tratava de um enunciado completo, nem era sua vontade, como ele explicou, de aplicá-la a algum dos candidatos. O certo é que todos nós estamos de acordo quanto à necessidade de que o futuro presidente tenha o conhecimento mais adequado das necessidades do povo, tenha experiência também de organização, de administração e tenha evidentemente vontade política de exercer e implementar aquelas medidas que são indispensáveis para melhorar a condição de vida do nosso povo.
Folha - Os últimos episódios envolvendo denúncias de irregularidades vão constribuir para melhorar os valores éticos e haver uma escolha mais criteriosa dos eleitos nas eleições?
Almeida - Sem dúvida de que tem havido uma explicitação forte e firme dos valores éticos. É um avanço. Agora se requer a educação para que cada um seja capaz de assumir o compromisso com esses valores. Não chegamos ainda a uma constatação de que isso já esteja se realizando na medida conveniente. Mas é certo que a nova geração está percebendo a importância e a prioridade dos valores éticos e é grande a expectativa de que, com essas eleições, possam subir aos cargos de responsabilidade pessoas que realmente estejam dispostas a servir ao povo e a promover o bem-comum.
Folha - Quando o sr. se encontrou com Lula tratou também da reação da Igreja à proposta do PT de incluir no programa de governo a descriminalização do aborto e o reconhecimento civil de relações homossexuais.
Almeida - Tive uma resposta clara das posições pessoais do candidato Lula e também uma justa expectativa de que esses pontos sejam estudados na convenção nacional do partido. E é ponto base não só para a Igreja como para a vida política de um país o respeito à vida do nascituro.

Texto Anterior: Divergências marcam final de reunião em SP
Próximo Texto: Texto não fala em preservativo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.