São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
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Cannes esnoba produções de Hollywood

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

O Festival de Cannes, este ano, terá a menor presença de filmes americanos de toda a sua longa história –e os rumores na indústria juram que não é totalmente por acaso.
Uma grande matéria no jornal inglês "Herald Tribune", publicada no início da semana, usou abertamente a palavra "boicote". Apesar de, nos corredores de Hollywood, a terminologia ser um pouco menos hostil, nem por isso é mais encorajadora.
"Ninguém está contente com a situação na Europa", disse à Folha um alto executivo de um grande estúdio que, pela primeira vez em muitos anos, não estará alugando escritórios na Croisette (avenida que concentra os eventos do festival).
"Os americanos têm sido abertamente hostilizados, e muitos distribuidores estão vendo Cannes sob este prisma e reconsiderando suas opções promocionais."
A, digamos assim, resistência americana a Cannes estende-se além dos limites da competição oficial e das mostras paralelas –embora os critérios exigentes de Gilles Jacob, diretor do festival, tenham contribuído bastante.
Este ano, Jacob recusou em massa a maioria dos filmes oferecidos pelos estúdios.
Entre os excluídos estão produções nas quais os estúdios depositavam (e ainda depositam) grandes expectativas artísticas, como "Quizz Show", dirigido por Robert Redford, "Ed Wood", de Tim Burton e "Natural Born Killers", um roteiro de Quentin Tarantino dirigido por Oliver Stone.
Já sensibilizados pela violenta esnobada francesa, os estúdios parecem ter decidido, senão boicotar, pelo menos esvaziar Cannes de seu conteúdo promocional.
Na última década, produtores e distribuidores de todo calibre –do mais modesto independente à cata de financiamento para seus projetos, a poderosas turbinas da indústria como Disney, Warner e Columbia– têm ido a Cannes não apenas para acompanhar seus filmes em competição ou exibição, mas sobretudo para badalar seus grandes lançamentos de verão, numa prévia da blitz promocional prestes a ser deslanchada nos mercados estrangeiros.
Em 93, por exemplo, a batalha entre "Parque dos Dinossauros", da Universal, e "O Último Grande Herói", da Columbia, ocupava quase toda a extensão da Croisette.
Tanto o astro de "O Último Grande Herói" quanto o presidente da Universal, Tom Pollock, dedicavam dias inteiros à promoção de seus filmes.
Com a singular exceção da Columbia –que fará algum trabalho promocional com Billy Crystal em torno de seu filme "City Slickers II" –os estúdios não estão fazendo planos sequer de comparecer ao festival, ou alugar escritórios nos hotéis da Croisette.
"Não creio que haja conspiração ou vingança", disse Duncan Clark, vice-presidente de marketing da Columbia/Tri Star.
"A maioria dos estúdios não tem filmes prontos que se beneficiariam por uma exposição em Cannes. A maioria dos filmes do verão ainda nem estão prontos."
Talvez –mas isto não impediu que, anos atrás, a Disney colocasse Pequenas Sereias boiando na baía de Cannes.
E, este ano, a Disney e outros estúdios têm filmes importantes em adiantado estado de pós-produção, como "The Lion King", "Maverick", "Wyatt Earp" e "The Flintstones".
"Acho que vamos ver uma volta às origens", disse um alto executivo da Universal –que não está indo a Cannes. "Cannes será dominado pelos europeus e os independentes, como antes."

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