São Paulo, sábado, 23 de abril de 1994
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Democracia não-racial para yuppies

OSVALDO COGGIOLA

"Nunca haverá um governo negro na África do Sul", declarava, faz quase um ano, Frederik De Klerk. Enganam-se os que pensam que as eleições da semana que vem indicam uma mudança de objetivo. A concessão da titularidade do poder político para o Congresso Nacional Africano –CNA– (que, de fato, já co-governa o país com o Partido Nacional) e até a maioria na Constituinte tocam apenas um aspecto das relações de poder.
O poder econômico continuará nas mãos de uma minoria dentro da minoria (13%) branca, isto em um país onde as disparidades de renda (ou seja, de classe) atingem o paroxismo: com uma renda "per capita" nacional de US$ 2.460/ano, a média dos brancos é de US$ 6.530, a dos negros de US$ 670.
Sessenta mil brancos possuem 87% das terras cultivadas e 90% da produção agrícola. O Exército (500 mil homens) e os corpos repressivos continuarão brancos, com o enxerto de alguns oficiais negros. O próprio aparelho de Estado, onde trabalha um terço dos brancos (700 mil pessoas), tenderá a ser um "cordão sanitário" ao redor do futuro governo.
Isto no quadro de uma crise econômica e social sem precedentes: desemprego estimado em 40% da população ativa (e atingindo só os negros, só 4% dos brancos estão desempregados), apenas 7% dos jovens encontram emprego (contra 96% em 1960), mais de 10% de demissões no setor mineiro (carro-chefe da economia, com 55% das exportações), declínio de 50% dos investimentos industriais na última década... Eis por que, no marco da "transição democrática", o cenário sul-africano se assemelha mais ao de uma guerra civil.
A fuga de capitais (US$ 50 bilhões entre 1970 e 1988) chegou a quase US$ 5 bilhões só no último período; a violência política deixou quase 20 mil mortos nos últimos anos; os grupos paramilitares de extrema direita florescem, com a cumplicidade dos altos mandos, recrutando no escalão mais baixo da minoria branca, onde explodem "seitas evangelistas e teorias que explicam tudo através de complôs judeus e comunistas" ("Le Monde Diplomatique", junho, 1992); avanços da ala "radical" do CNA e do Congresso Pan-Africano.
As eleições, na verdade, plebiscitarão o acordo CNA/PN (Mandela/De Klerk), agora com a participação do Inkatha de Buthelezi (que conservará seu Kwa Zulu) para conter a polarização social e política. Isto nada tem de democrático, sendo seu objetivo a chamada "democracia não-racial para yuppies".
Para os excluídos, a imensa maioria dos negros, isto não é solução e se choca com as aspirações criadas por três séculos de luta contra o poder branco e 40 anos contra o apartheid.
Este revelará agora seu verdadeiro rosto de monstruoso sistema de exploração econômica que se utilizou da exclusão racial, e a luta de classe seu caráter de único instrumento para libertar o país do racismo, abrindo a perspectiva de uma nova era para a África inteira.

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