São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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NOTAS

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Há um mês, o jornal carioca "O Globo" publicou uma carta de princípios em que pretende regular desde o recebimento de brindes (os chamados "jabaculês") por parte de seus repórteres e editores até a eventualidade de apoiar, em editorial, um candidato a cargo eletivo. O jornal também afirmou um compromisso com a verdade e o jornalismo independente. A tal carta de princípios ganhou publicidade suficiente para que ela parecesse um rosário de boas e elogiáveis intenções.

Na semana passada, o jornal permitiu-se mentir descaradamente para seus leitores, "revelando" numa nota da coluna Swann de quarta-feira que a Folha teria, em reunião de seu Conselho Editorial, decidido apoiar a candidatura de Lula ao Planalto. Na sexta-feira, depois de ter sido desmentido pela Folha na quinta, o jornal insistiu na versão e colocou-a sob responsabilidade do deputado Delfim Netto. Como ele é colunista da Folha, a nota terminou dizendo que o assunto era "briga (...) para ser resolvida em casa". Delfim desmentiu o jornal carioca ontem, na Folha.

O Conselho Editorial da Folha não se reúne há um mês e meio. No último encontro, testemunhas tão confiáveis como o jornalista Janio de Freitas asseguram que nenhum apoio a qualquer candidatura foi discutido, e o nome de Lula não chegou a ser mencionado. O jornal continua com sua opção preferencial pelo leitor, buscando um jornalismo independente, apartidário e pluralista -ainda que com falhas que a ombudsman pode e deve apontar, na defesa do direito do leitor à informação correta e isenta. Foi por essa razão que eu aceitei o cargo de ombudsman aqui. Com carta de princípios e tudo, jamais pensaria em ser ombudsman de "O Globo". Aliás, "O Globo" não tem ombudsman mesmo. Não há como defender o leitor de um jornal que mente para ele.
Se o episódio revela alguma coisa é que carta de princípios não basta para se fazer um grande jornal.

Os leitores gostaram da proposta da ombudsman de procurar e apontar os piores títulos do jornal -aqueles que distorcem o sentido da notícia, desinformam ou mesmo enganam o leitor. Mais de uma dúzia de telefonemas e cartas na semana passada concentraram-se nesses títulos, e dois deles merecem comentários. Na edição de terça-feira, "FHC quer o real em 1º de julho". A reação de uma leitora paulistana: "Ele nem é mais o ministro da Fazenda. Parece campanha da Folha pelo candidato. Será que o título seria o mesmo se fosse Lula quem quisesse o real nessa data?" Boa pergunta.
O outro saiu na edição de quinta-feira: "Lula declarou admirar Hitler e Khomeini". O verbo, sutilmente no passado, não foi o bastante para fazer os leitores entenderem que a declaração tinha quinze anos de idade. "Só ficou faltando explicar isso, esse pequeno detalhe", ironizou um leitor do Rio de Janeiro. "Tive que ler a matéria inteira para descobrir." Boa observação.

E a lista do bicho, hein? Os jornais ainda não sabem se ela é verdadeira ou uma armação dos bicheiros para confundir a polícia e o procurador-geral de Justiça, Antônio Carlos Biscaia. Como eu disse lá em cima, idem aqui embaixo: azar seu, leitor.

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